quarta-feira, 7 de julho de 2010

No laboratório de Serra – por Marcelo Coelho (Folha de São Paulo)

Se a escolha do vice já foi tão espinhosa, como haveria de ser a montagem de seu ministério?

Há muitas teorias para explicar a derrota da seleção na África do Sul. Dou a todas o crédito da minha ignorância. Qualquer uma é razoável; o fiasco brasileiro não constitui, provavelmente, a notícia mais enigmática destes dias. Acho mais intrigante o processo de escolha do vice na chapa de José Serra, que deu no deputado Índio da Costa (DEM-RJ).

Recapitulando. Foi uma sequência de rumores e balões de ensaio, de hipóteses e fórmulas mágicas, formando uma verdadeira escalação de futebol.

Aécio Neves, Francisco Dornelles e Álvaro Dias; Jarbas Vasconcelos, Itamar Franco e José Roberto Arruda; Kátia Abreu e Tasso Jereissati; Valéria Pires Franco, ex-vice-governadora do Pará, e Patrícia Amorim, presidente do Flamengo. Não pensaram no Belluzzo? É um time para Dunga nenhum botar defeito.

Uns dias a mais e o próprio Dunga poderia ter sido cogitado. Aplaudiram-no em sua volta ao país; é popular; é sério; é realista; sua ficha, ao que consta, é limpa; veste-se com apuro, não gosta de demagogia e já não promete muita coisa.

Ademais, Dunga não deve ter críticas à exploração do pré-sal, nunca falou em plebiscito sobre a pena de morte, e há de considerar radical demais a proposta de multar os cidadãos que deem esmolas na rua. Três pontos que o tornam mais moderado, ou menos exótico, do que Índio da Costa.

Multar quem dá esmolas! Em matéria de Estado policial, creio que nunca se imaginou ameaça tão severa contra as classes privilegiadas.

Brincadeiras à parte, o problema da escolha de um vice nunca é fácil de resolver. Há sempre a questão dos palanques estaduais, o tempo na TV, a composição com os demais partidos da aliança.

Provavelmente, tudo ficou mais complicado para o PSDB por alguns motivos de ordem política e outros de ordem pessoal.

Passo rapidamente pela questão política. A candidatura Serra hesita entre a identidade puramente oposicionista (Álvaro Dias reforçaria isso) e o perigo de confrontar-se com a popularidade de Lula. A situação partidária força uma aliança à direita (Dornelles e Kátia Abreu seriam os nomes adequados), mas o clima predominante é redistributivista e pró-Estado, e o próprio Serra se sente desconfortável quando levado a defender o oposto.

O vice do tucano, assim, teria de ser precisamente alguém que não significasse nada, que não inclinasse a balança para nenhum lado.

A questão não é apenas política, mas também pessoal. Fulano? Não suporta Serra. Beltrano? Serra não o engole.

Ninguém é bom o bastante para que Serra o aceite, e ninguém é tão ruim que não possa rivalizar com ele.

Fico lembrando a velha história do casamento da Dona Baratinha, com fita no cabelo e dinheiro na caixinha, recusando um a um os pretendentes ao noivado. A mensagem psicanalítica do conto infantil não é outra senão a da fobia ao sexo; haveria em Serra, incrivelmente, algo como uma fobia à política, ou pelo menos à negociação política, à convivência política. Não o recrimino; talvez seja apenas um individualismo levado ao extremo.

Tanto, que ele se dispõe a acumular o cargo presidencial com o de superintendente da Sudene, e não sei com que outro ministério. Imagino que gostaria também de ser o secretário do Planejamento e presidente do Banco Central. Se a escolha do vice foi tão espinhosa, como haveria de ser a montagem do ministério?

Entendo melhor, assim, o estranhíssimo e desastrado conselho de Serra à Índio da Costa, recomendando-lhe que tivesse amantes, desde que com discrição. Traduzindo em termos políticos, Serra não acredita na fidelidade dos aliados, mas espera que não apareçam, que fiquem à sombra, que não existam.

Índio da Costa quase não existe. Olho suas fotos: é um belo rapagão moreno, não muito diferente de Aécio Neves, com a vantagem de não ser Aécio Neves.

O enigma se dissolve: é como se ele fosse um similar, ou um genérico, de Aécio. Trata-se do remédio sem marca para os males de Serra. Famoso hipocondríaco, foi o tucano quem criou os medicamentos genéricos, e não por coincidência: nenhum nome próprio, nenhuma marca conhecida, nenhuma singularidade identificável pode subsistir ao lado de Serra. Surge então Índio da Costa, o vice de todos os vices, prontinho do laboratório. É só engolir.


Comentário
Só um leve deslizo do autor do texto: não foi Serra quem inventou os genéricos. Além disso, não foi Serra quem inventou o programa de combate a AIDS (ele se apropria do legado de Jamil Hadad e Adib Jatene, ex-ministros da saúde do Brasil – na verdade, pegou as boas práticas que se realizavam e as transformou em peça de marketing). E muito menos quem criou o FAT (decreto de Sarney).

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