A descoberta de um novo Nordeste. A ressurreição da questão regional no Brasil. O crescimento econômico da região em ritmo maior do que a média brasileira. O aumento do consumo numa proporção bem maior do que no resto do País. A impressionante transformação política, com a autonomia da cidadania e o reflexo disso na eleição de governadores afinados com as teses reformistas e progressistas. Esses foram alguns dos temas que afloraram com intensidade no seminário O novo Nordeste e o Brasil, realizado em Teresina, no Piauí, nos dias 15, 16 e 17 deste mês de maio, promovido pela Fundação Perseu Abramo. Temas que animaram os participantes, abrindo perspectivas para o enfrentamento dos enormes desafios que a região enfrenta desde tempos imemoriais.
Participaram do seminário, entre outros, o governador Wellington Dias; os ministros da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, e da Cultura, Gilberto Gil; o coordenador da bancada do Nordeste, deputado federal Zezéu Ribeiro, do PT, José Machado, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (Ana), além do presidente e do vice-presidente da Fundação Perseu Abramo, Ricardo Azevedo e Nilmário Miranda, respectivamente.
A economista Tânia Bacelar, que fez a conferência central do seminário – Um projeto para o Nordeste brasileiro – não deixou de ressaltar, no entanto, o quanto a região ainda se encontra distante dos níveis da média nacional, do Sudeste e do Sul quanto, por exemplo, à escolaridade. Enquanto a média nordestina da população ocupada com 10 anos e mais é de 6 anos de estudos, a nacional é de 7,6 anos, a do Sudeste de 8,5 anos e a do Sul de 8 anos.
Além disso, se o olhar se volta para a relação entre a população e o valor do PIB, a discrepância também não é pequena. O Nordeste tem 28% da população e participa com apenas 13,1% do PIB. O Sul tem 14,5% da população e participa com 16,6% do PIB. O Sudeste tem 42,5% da população e contribui com 56,5% do PIB. Esses dados evidenciam que há, inegavelmente, ainda, uma questão regional a ser enfrentada e não entendida apenas como a questão nordestina. O Norte, por exemplo, enfrenta problemas semelhantes. Essa questão, no entanto, só voltou a ter alguma importância nos anos recentes, sob o governo Lula. Havia sido praticamente esquecida durante a gestão Fernando Henrique Cardoso e durante todos os anos 90.
Antes de tratar do Nordeste, no entanto, Tânia Bacelar optou por fazer uma breve análise das macro-tendências mundiais. Na demografia, localiza uma diminuição do ritmo de envelhecimento e o crescimento da importância das cidades médias. Um novo padrão de uso dos recursos naturais e um novo olhar sobre o meio ambiente. O avanço da ciência e da tecnologia apontando para a convergência tecnológica.
Avalia que os EUA devem manter a hegemonia nos próximos 20 anos, mas necessariamente o mundo será multipolar, com o avanço asiático. Em 2015, a pobreza terá se reduzido: será de 10% o percentual da população mundial que viverá com menos de US$ 1/dia. No Brasil, esse patamar será de 5%. Nesses próximos anos, o Brasil deve chegar à quarta ou quinta economia do mundo.
E a globalização deve ser vista, na opinião dela, como um processo contraditório, onde cabem iniciativas regionais, onde têm valor as políticas específicas de cada país. Os territórios, ela diz, são palcos de uma constante tensão – os agentes globais os vêem como palco de operação e os agentes locais como uma construção social. São palcos de luta, portanto. Cenários de construção histórica. Para um lado ou para outro: tanto para a submissão diante do global, como para o desenvolvimento de políticas específicas, que caminhem em rumo contrário.
O ambiente brasileiro e suas novas tendências foram também analisados. Estaríamos escapando, agora, da herança da estabilização submissa ao rentismo, decorrente das políticas dos anos 90. Estaríamos ingressando numa era de retomada de um crescimento sustentável. Há, inegavelmente, um novo e favorável ambiente macroeconômico e quaisquer dos índices indicam isso.
Em dezembro de 2002, a inflação era de 12,53%. Em dezembro de 2007, de 4,46%. O juro real era, naquele 2002, de 15,6%. Em 2007, de 8,4%. O crescimento econômico anterior, de 1,93%. O de 2007, de 5,42%. O risco-país era de 1.529 pontos. Em 2007, de 212 pontos. A dívida externa com o FMI era de quase 21 bilhões de dólares. Em 2007, zero. Não é pouca coisa.
O Brasil vive hoje sob um ambiente de mudanças. Viveu no século XX, por um período, um acentuado crescimento. Mas, sempre convivendo, também, com a concentração de renda. O Brasil do século XXI já aponta sinais de mudanças. Na demografia, com menor natalidade. Maior esperança de vida, mais dinamismo das cidades médias e com impressionante ocupação do interior. Na dinâmica da economia, com redução da concentração econômica no Sudeste e apresentando crescimento sem concentração de renda.
Com isso, o quadro social vai indicando redução da pobreza e crescimento da chamada classe C, que passa de 34% para 46% da população, que significa um aumento de 23 milhões de pessoas, totalizando 86 milhões. E as classes D e E passam de 51% para 39%, segundo Instituto Ipsos, em pesquisa publicada por recente revista Exame. Uma mudança extremamente significativa.
E o Nordeste? Bem, este cresce um pouco acima da média nacional desde meados dos anos 90, o que vai implicar na queda da emigração: entre 1986 e 1991, pouco mais de 869 mil pessoas saíram do Nordeste para outras regiões, enquanto que tal número desceu para aproximadamente 743 mil entre 1995 e 2000. Os nordestinos estão começando a ter a possibilidade de permanecer em sua região.
O Nordeste ganha espaço com as mudanças na dinâmica da localização industrial – dito de outra maneira, com o avanço da industrialização na região. Em 1986, o emprego industrial correspondia a 10,7% do total, passando a 12,7% em 2005. Enquanto isso, São Paulo, que em 1986 detinha 45,5% do emprego industrial em relação ao total, passa a deter apenas 35,9% em 2005. Ao mesmo tempo, no entanto, e é importante acentuar isso, o Nordeste perde espaço na agropecuária.
Em 1970, o valor bruto da produção agropecuária ultrapassava 18% e em 2005 decresceu para algo em torno de 14%. O Centro-Oeste ganhou espaço, passando, no mesmo período, de pouco mais de 7% para quase 21%. O Nordeste tem 45% da População Economicamente Ativa do campo e apenas 14% da produção, o que é grave, e indica o tamanho do desafio. Trata-se, para o Estado brasileiro, de melhorar a produtividade dessa parcela da população. Este, talvez, seja o maior problema nordestino.
Outro fenômeno do desenvolvimento nordestino é o crescimento do terciário que no Nordeste passa de 25,7% da população ocupada em 1976 para 50,9% em 2006. É um indicativo da modernização da estrutura econômica, cada vez mais sustentada nos serviços. Simultaneamente, revela-se a difícil inserção da região no dinamismo exportador brasileiro. Só para se ter uma idéia dessa dificuldade, não custa lembrar que em 1960 a região participava com 20% do total das exportações brasileiras, caindo para apenas 8% em 2007. O porte da economia nordestina, no entanto, não fornece razões para pessimismo. Colômbia, Venezuela, Chile e Peru, por exemplo, têm, cada uma delas, economias menores do que a do Nordeste.
A região vem enfrentando o desafio de reestruturar os complexos tradicionais, dando passos nessa direção em relação ao cacau e ao sucro-alcooleiro e não alimentando mais expectativas em relação ao algodão, que teve muita importância no passado. As bases dinâmicas do novo Nordeste seriam a fruticultura, a produção de grãos, o turismo, os pólos industriais de serviços modernos e o pólo de Carajás. O dinamismo desses setores, conjugado com as políticas públicas de assistência social do governo Lula, está permitindo a redução da pobreza na região.
São 5,7 milhões de pessoas beneficiadas pelo Bolsa-Família no Nordeste, o que significa 51,8% das famílias em condições de extrema pobreza do País. O maior número de pobres do Brasil está no Nordeste. Em 2006, o aporte de recursos do programa no Nordeste foi de R$ 2,8 bilhões, que naturalmente tem um impacto econômico e de distribuição de renda extraordinário.
O apoio à agricultura familiar é outro aspecto fundamental da política para a redução da pobreza na região. Não custa lembrar que em 2002, o governo Fernando Henrique Cardoso destinava R$ 2,2 bilhões aos agricultores familiares. Hoje, o investimento supera R$ 13 bilhões anuais. Se a isso se soma o aumento real contínuo do mínimo, pode-se ter uma idéia das possibilidades da redução da pobreza na região, com a consciência de que não será um processo rápido. O Nordeste representa 28% da população brasileira e tem metade dos trabalhadores que ganham salário mínimo.
O Semi-Árido, que abriga 40% da população da região e apenas 20% do PIB regional, constitui um desafio especial para o projeto de um novo Nordeste. Houve o desmonte dos pilares de uma organização produtiva de 400 anos, especialmente do algodão e da pecuária bovina. Já ocorre, no entanto, a busca de novas atividades e de modernização de antigas. Ganham força a ovinocaprinocultura, o algodão colorido, flores tropicais, cajucultura orgânica, a produção de mel, a mamona e a farmacologia natural. Aqui, se o olhar se volta para o campo, coloca-se como aspecto essencial a política de assistência técnica e extensão rural, que é atribuição dos governos de Estado.
Curioso, ao menos para os que olham o Nordeste como terra de pobres sem renda, é que o Brasil redescobriu a região recentemente pelo mercado. Entre 2003 e 2007, o Nordeste e o Norte lideraram o crescimento do consumo no País, evidenciando a existência de um mercado de massas nas duas regiões. Estados como Maranhão, Alagoas, Tocantins, Acre, Sergipe ou Bahia, entre vários outros, aparecem à frente de São Paulo, de Minas Gerais ou do Rio de Janeiro nos índices de consumo. Os pobres ganharam condições para consumir pelo conjunto das políticas adotadas pelo governo Lula e pelo modelo de desenvolvimento colocado em prática, onde necessariamente andam combinados o crescimento econômico e a distribuição de renda.
Esse novo Nordeste, no entanto, a par da magnitude de sua economia, do início de um processo de redução da pobreza, de novos pólos dinâmicos na economia, apresenta uma acentuada fragilidade na área de ciência e tecnologia e as empresas da região são pouco inovadoras – estimativas indicam entre 4% e 7% as empresas com capacidade de inovar. Isso significa ser essencial o investimento na área de transmissão de conhecimento, embora, como ponto positivo, pode-se lembrar o fato de que a região tem ganhado novas universidades e campi sob o governo Lula para enfrentar a baixa participação nas matrículas do ensino superior.
Há uma exigência de investimento em infra-estrutura, que começa a ser respondida com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O programa prevê um investimento global superior a R$ 80 bilhões na região. As investigações do subsolo e a produtividade agrícola em áreas modernas nos últimos anos indicam que o Nordeste deve transformar-se numa potência agro-mineral. Para que o desenvolvimento possa continuar beneficiando a população, será essencial o investimento em educação, em saúde, em saneamento, em transportes públicos de qualidade. Há passos em direção a esse novo Nordeste. As últimas eleições mostraram o rompimento das amarras da cidadania. A maioria dos governadores eleitos está vinculada ao pensamento progressista. Mas, apesar de todos esses avanços, o caminho certamente ainda é longo para superar a herança de séculos de marginalização do povo nordestino, sempre envolvidos em suas vidas secas, na falta de terra, de água, de trabalho decente. O que é novo para o povo é a esperança de que seja possível permanecer no Nordeste e realizar os sonhos na própria terra de origem.
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