A incriminação de um assecla de José Dirceu no vazamento da planilha com os gastos do casal FHC vinha sendo cantada nos corredores palacianos há pelo menos uma semana. Dirceu estaria mandando um recado aos mentores da pré-candidatura de Dilma Rousseff, na linha “ou me chamam para a conversa ou eu melo tudo”. Pode ser mentira, mas não soa inverossímil.
Só que as grandes indagações permanecem abertas. A confecção desse tipo de documento é mesmo ilegal? O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), a revista Veja e a Folha de São Paulo não seriam no mínimo cúmplices da divulgação de dados sigilosos? A propósito, são de fato sigilosos os tais dados? É curioso que os famosos “advogados ouvidos pela Folha” não possuam respostas razoáveis para perguntas tão simples.
A confecção de um levantamento dos gastos com os cartões de FHC e esposa obedece à lógica da chantagem política instaurada pela oposição nos bastidores da CPI. A estratégia inicial dos oposicionistas era utilizar a opinião pública para forçar a divulgação dos gastos de Lula, livrando seu antecessor de semelhante escrutínio. A imprensa ansiava o aparecimento de um “dossiê” dos cartões da família Lula, e reagiu indignada porque sua estratégia foi anulada pela antecipação dos adversários.
Claro que, agora, o vazamento deixou de ser importante. Todos querem saber quem fez o levantamento, com o tal “viés político”, termo empregado insistentemente pelo noticiário. Pois e daí se houve esse viés político? Não há vieses políticos em tudo que se faz em Brasília? Não há viés político na súbita onda de tolerância com os gastos de Sua Majestade FHC (“um presidente não pode servir vinho Chapinha a seus convidados”)? Não há viés político na tentativa de inutilizar o conteúdo do levantamento através de sua condenação? Não há viés político no fuzilamento moral de Dilma Roussef?
Ora, “viés político”. Era só o que faltava. Como se houvesse puro espírito informativo nos gorgulhos reacionários de Veja ou nessa patética defesa da honra ferida, impetrada pela sucursal da Folha, ou ainda nos arroubos contraditórios dos comentaristas da CBN. Primeiro foi “oh, fizeram um dossiê”, depois “oh, divulgaram-no” e então vivemos o “oh, fizeram o dossiê” novamente. São imparciais, realmente.
E, afinal, o que diz o tal levantamento? É verdade que o casal FHC gastou R$ 106,90, no dia 29 de setembro de 1998, em “balinhas sortidas”? O que diríamos se Lula tivesse torrado R$ 702,00 em “vinhos e cognac”, como fez FHC em 23 de março de 1998? E que tal os R$ 346,20 em “queijos importados” (30/4/98)? E os “fechos de sutiã”, os “óculos de natação”, o “carvão para churrasco”?
Uma iguaria nordestina serviu para constranger um ministro que pagara por seu parco almoço de oito contos. A tapioca é um escândalo, mas os “frutos do mar” atendem à altivez do cargo? Criar boatos sobre a plástica de Dona Marisa é jornalismo, mas divulgar as jujubas de Dona Ruth virou pecado? Especular sobre os hábitos etílicos de Lula atende ao interesse público, mas os milhares de reais gastos por FHC em bebidas alcoólicas de todo tipo, no intervalo de um ano, pertencem a bebericos sociais?
O governo Lula, em sua proverbial pusilanimidade diante dos ataques da imprensa, parece ter um prazer masoquista com esse tipo de baixeza vulgar. Gente mais sacudida mandaria os molambos pentearem macaco. E instaria o Ministério Público a determinar se houve ilícito no caso e em seguida identificar e punir os autores e partícipes do mesmo.
Só que aí não teria graça alguma, né? Seria “antidemocrático”.
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