A presença ou ausência de Dilma Roussef na reunião desta segunda-feira, 19 de maio de 2008, entre Lula e Carlos Minc, será um indicador bastante consistente do que os dois primeiros esperam do último: o licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte. Essa, e não a preservação genérica da Amazonia, é a questão central de interesse das grandes construtoras de barragens e, sobretudo, das mineradoras nacionais e estrangeiras. Os elevados custos sociais e ambientais do grande complexo de usinas hidrelétricas projetado para o Xingu já foram dissecados por numerosos autores e, em particular, pelo professor Oswaldo Sevá Filho, professor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, ou sob a sua coordenação.
Antes, vale uma referência ao trabalho do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto. Em “Grandezas e Misérias da Energia e da Mineração no Pará”, o autor explicita as movimentações de bastidores que uniram interesses privados para conduzir o governo a investir nos projetos de grandes hidrelétricas construídas de interesse de construtoras e de indústrias eletro-intensivas estrangeiras fabricantes de alumínio - Alumar, Albrás e Alunorte. Todas pagando pela eletricidade gerada em Tucurui apenas uma fração de seu custo. E com a segurança, para os gringos, de contratos de longo prazo, alguns renovados na gestão de Dilma Roussef à frente do Ministério de Minas e Energia. É a nação brasileira subsidiando o alumínio das grandes corporações estrangeiras, a bolsa-família às avessas!
Em 1979, concluiram-se os estudos que previam a construção de cinco usinas hidrelétricas no Xingu e uma no Rio Iriri. Tais estudos deram nomes indígenas para essas hidrelétricas: Kararaô, Babaquara, Ipixuna, Kokraimoro, Jarina e Iriri. Depois, para evitar as previsíveis tensões decorrentes do alagamento de terras indígenas, esses nomes foram sendo substituídos. De Kararaô virou Belo Monte. Quanta falta de brasilidade e de caráter!
Aqui, a longa citação de Oswaldo Sevá Filho é mais esclarecedora do que qualquer tentativa de resumi-la. “Outros estudiosos procuram desvendar as possíveis destinações futuras de tal eletricidade – que podem também exigir altos investimentos em transmissão dessa energia. Para resumir: ao custo de hoje, se fossem instalar mais de 22 mil megawatts em seis grandes obras no Rio Xingu, trecho paraense, e em seu afluente Iriri, isto custaria R$ 60 bilhões ao longo de um período de dez anos. Uma única eletrovia (linhas de transmissão em voltagem extra-alta) com capacidade de transmitir uma décima parte dessa eletricidade até, digamos, na altura de Goiânia, custaria mais de R$ 3 bilhões.
Assim, pode-se afirmar que o objetivo de Tucuruí e de Belo Monte é o mesmo: a inserção dos recursos brasileiros em uma economia globalizada dos materiais energético-intensivos, principalmente o ferro e aço, o silício, o alumínio, o cobre, o níquel e as várias ligas entre eles, cuja fabricação a partir dos minérios exige muito combustível e muita eletricidade.
“Na seqüência, com o auxílio de dois pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp organizei uma nota técnica com os “Dados de vazão do Rio Xingu durante o período 1931-1999 e as estimativas da potência, sob a hipótese do aproveitamento hidrelétrico integral inventariado”. Para exemplificar a situação: se naquele período histórico existisse somente a usina Belo Monte ao longo do Rio Xingu, a potência assegurada para injetar na rede regional teria sido de 1.356 MW, para uma capacidade instalada de 11.182 MW!
“Mas, o Xingu é rio que seca rápido e que pode permanecer muito tempo bem baixo: quatro meses, digamos. Os valores de vazão d’água medidos lá na cidade de Altamira, Pará, começam na faixa de 450 a 500 mil litros por segundo, que são as médias mensais dos piores anos, em setembro e outubro; em geral as médias mensais do “verão”, que na Amazonia vai de julho/agosto a outubro/novembro, ficam abaixo de 1 milhão de litros por segundo. Compare-se isto à capacidade de engolimento de uma das 20 turbinas previstas: 700 mil litros por segundo, com potência de 550 megawatts. Com base nesses dados, se as hidrelétricas já tivessem sido construídas, entre 1991 e 1996, durante alguns meses por ano nenhuma turbina operado com carga plena e, em outros meses, apenas uma ou duas das dez máquinas teriam gerado eletricidade.”
A questão do licenciamento ambiental pode não ser exatamente ambiental, mas econômica-financeira e de estratégia nacional. O problema é que a exigência do Estudo de Impacto Ambiental - EIA faz com que essas dimensões do jogo sejam trazidas à luz, ao conhecimento de todos os cidadãos. Daí o interesse na simplificação do processo de licenciamento.
Evidentemente, os brasileiros - “ambientalistas” ou não - não desejam que lhes sejam sonegadas informações preciosas sobre as estratégias para o uso de seu potencial hidrelétrico, de seus recursos minerais, e de sua soberania, em benefício de umas poucas “barrageiras” e multinacionais de minérios.
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Assumindo o Ministério do Meio Ambiente, Carlos Minc certamente não deixará que a agenda do governo seja pautada por franchises de ONGs ambientalistas estrangeiras. Ao contrário, talvez se possa mesmo considerar a possibilidade de, na agenda de negociações internacionais, virar o jogo e propor que países como os EUA e o conjunto da União Européia dêem início a um programa de reflorestamento de 1/4 de seus territórios para se igualar ao Brasil no que se refere às propostas estrangeiras de preservação integral da Amazonia por razões de interesse global relacionados às mudanças climáticas. Da mesma forma, o Canadá deveria ser instado a suspender imediatamente as recentes autorizações concedidas para a exploração de areais betuminosas em áreas de florestas centenárias, e a Austrália a interromper o desmatamento de florestas nativas também centenárias para a produção de celulose e papel. Quem sabe os bancos brasileiros se unem e criam uma ONG cujo objetivo seja fiscalizar o desmatamento e o grau de investimento em reflorestamento com espécies nativas nesses países?
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