segunda-feira, 19 de maio de 2008

Os tiros da Toneleros ecoam? - por Mino Carta (Cartacapital)

Os esqueletos deveriam estar bem guardados nos armários e os fantasmas engolidos pelo tempo. Ou não? A oposição demo-tucana e seu porta-voz, a mídia nativa, ainda ouvem o eco dos tiros da rua Toneleros como os astrônomos o ruído do Big Bang difuso no universo. E 54 anos demonstram valer, à escuta dos opositores da nossa política, mais que os 10 bilhões, ou mais anos, percebidos em Jodrell Bank e adjacências.

A memória não é o forte das gerações mais recentes, e nem tanto. Vale a pena, portanto, recordar que os tiros da Toneleros, rua carioca, remontam aos começos de agosto de 1954 e foram dirigidos contra o grande acusador do governo constitucional de Getúlio Vargas, Carlos Lacerda. Um o atingiu no pé, outro matou seu acompanhante, o major Vaz, da Aeronáutica.

Foi o lance crucial de uma crise que vinha desde o início do governo Vargas, combatido em duelo ao último sangue não somente porque não lhe perdoavam a ditadura estadonovista, mas também, e sobretudo, a política nacionalista. À sombra de Vargas nasceram, por exemplo, Volta Redonda e a Petrobras, e leis trabalhistas que há tempo soam como obsoletas, embora à época fossem revolucionárias aqui na terrinha.

Tio Sam sempre contou com magníficos advogados na Terra Brasilis. A tocaia urdida na Toneleros por profissionais contratados pelo “anjo negro” de Vargas, númeno e fenômeno dos guarda-costas, Gregório Fortunato, é episódio digno do Oeste selvagem, e a campanha liderada pelo tribuno da aristocracia udenista, a denunciar desmando e corrupção, ganhou fôlego e substância. O Palácio do Catete, sede do governo nacional no Rio capital, segundo Lacerda, fora submergido por um “mar de lama”.

A tragédia tropical encerra-se com outro tiro, aquele do suicídio de Getúlio, direto ao coração, na noite de 24 de agosto de 1954. O povo chorou muito a morte do “velhinho” e os planos da elite foram realizados, a rigor, somente com o golpe de dez anos depois. E nem mesmo a contento de Lacerda e companhia. Rondavam o território raposas mais espertas.

Os intérpretes da pantomima dos dias de hoje, 54 anos depois, não figuram na família das raposas, embora suponham nascer do conúbio entre estas e os lobos. Creio que Dante colocaria Lacerda no Inferno. Não existe, porém, um único, escasso personagem na oposição demo-tucana que se pareça com ele, mesmo vagamente, em cultura e oratória.

Não há semelhança, tampouco a mais pálida, entre os tiros da Toneleros e o chamado dossiê anti-FHC, que devora as energias oposicionistas na tentativa de manter o assunto nas primeiras páginas. Como se deu em outras ocasiões quando se pretendeu provar que um mar de lama invade o Palácio do Planalto, o Alvorada, a Granja do Torto, a patética expectativa por uma situação capaz de derrubar Lula acaba por se esvair em sua própria fragilidade

Não é que a mídia deixe de se empenhar no limite de seus modestos alcances. Observe-se, contudo. Apresenta-se como “dossiê” o que não passa de planilha. Atribui-se o vazamento a um burocrata menor, em conluio com outro do mesmo porte, assessor do senador Álvaro Dias, quando o vazamento é obra deste senhor, indiscutível no lance. Procura-se demonstrar uma chantagem sem que surjam os indispensáveis chantagista e chantageado. Trata-se em vão de demolir no nascedouro uma eventual candidatura da ministra Dilma Rousseff em 2010, com o exclusivo resultado de torná-la a cada dia mais conhecida do Oiapoque ao Chuí.

Tem mais. Há uma identificação tão profunda entre Lula e o povo brasileiro, tamanha carga de empatia, que torna o presidente indestrutível. Investir contra ele recorda Dom Quixote da pior maneira. A oposição e a mídia demo-tucanas não vivem a demência empolgante do herói de Cervantes, trafegam é pela raivosa incompetência dos medíocres.

Lula, nas circunstâncias, é a pedra que o vento não molda e a água não fura, seja bom seu governo para o povo brasileiro, ou não. Convém neste momento cogitar apenas de outra questão: o próximo presidente, venha de onde vier, não será um ex-metalúrgico dotado de formidável carisma. E, na ausência de um líder que goza da aprovação incondicional, governar ficará mais difícil.


Comentário: Em sendo de direita e, por conseguinte, tendo total apoio da mídia, até que não é assim tão difícil. Consegue-se até doar a Companhia Vale do Rio Doce.

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