terça-feira, 10 de junho de 2008

A capital do crime - por Wálter F. Maierovitch (Cartacapital)

O siciliano Salvatore Luccania, conhecido por Lucky Luciano no mundo do crime, da política e das finanças internacionais, orgulhava-se de ter transformado a cidade de Nova York, graças à Lei Seca, na “Capital Mundial do Crime Organizado”.

Em 1931, Luciano unificou os grupos criminais sículo-americanos numa organização que chamou de Cosa Nostra. Os bandos viraram famiglie e o órgão de cúpula denominou-se Commissione Nazionale.

Assim, a Cosa Nostra superava aquela que lhe servira de matriz, a famosa Máfia siciliana, sediada em Palermo.

Só nos anos 1960, a Máfia siciliana retoma, como potência criminal, o posto de primus inter pares e, copiando a sículo-norte-americana, cria, em Palermo, um vértice de governo chamado Commissione.

No fim dos anos 1990, a Máfia mostrou ao mundo que dominava territórios, mantinha controle social e força para declarar guerra ao Estado italiano: bombardeou Roma, Milão e Florença.

Com efeito, era Palermo a capital do crime e não Moscou, onde un mondo di ladri, representado por oligarcas e ex-agentes da KGB, saqueava o espólio da ex-União Soviética.

Graças ao movimento antimáfia, que contou com um forte empenho da sociedade civil, como lembra Umberto Santino, a Máfia sofreu grandes derrotas. Teve de submergir e a Commissione não consegue mais se reunir, até pela falta de um capo dei capi.

O certo é que, no momento, Palermo não consegue se ombrear com o Rio de Janeiro, onde o crime organizado se confundiu com o próprio Estado.

Com efeito. Em um universo de 70 deputados estaduais, 33 deles têm pendências nos âmbitos da Justiça Criminal, do Ministério Público e do Tribunal de Contas.

Esses deputados “pendurados”, quase 50%, não se sentiram impedidos ou constrangidos em soltar um dos pares, o deputado Álvaro Lins, uomo d’onore da famiglia Garotinho. Ou seja, o ex-chefe de polícia no governo da famiglia Garotinho.

Depois de informados ser inafiançável e permanente o crime de lavagem de dinheiro, na modalidade de ocultar patrimônio mediante uso de laranjas, os deputados trilharam, para soltar Lins, a vertente da prisão desnecessária, sob argumento de contar o deputado com domicílio certo e estar a investigação já concluída.

Com leguleios e arte de Procusto, fingiram os deputados não saber que a nossa Constituição apenas garante à Assembléia relaxar, revogar, uma prisão realizada ao arrepio da lei. No caso de Álvaro Lins, a prisão era legal, pois fundada em cristalina situação de flagrante. Lins foi apanhado a cometer crime de natureza permanente, cuja consumação se alonga no tempo. Encontrava-se, quando dada voz de prisão, em apartamento que de fato era seu, embora não tivesse patrimônio para comprá-lo, o mesmo a ocorrer com o “laranja” que emprestara o nome para a transação de fachada.

Ao entender inoportuna a manutenção da prisão, os parlamentares exorbitaram. A concessão de liberdade por não ser necessária e em face de regular auto de prisão em flagrante era tarefa da competência exclusiva da Justiça. Como pisaram na bola e dada a reação da opinião pública, a Assembléia, pelos seus Varões de Plutarco, iniciou um processo disciplinar, interno, por quebra de decoro parlamentar contra Lins.

Por outro lado, a nada ingênua famiglia Garotinho finge nunca ter percebido nada sobre o vultoso patrimônio de Lins, a cobrança de “pedágios” nas delegacias e a proteção dada aos empresários da jogatina eletrônica, entre eles os sucessores de Castor de Andrade.

O ex-governador Garotinho, que preside o PMDB e acolheu Lins nesse partido político, amarga a pesada acusação de chefiar uma organização criminosa armada. Uma potente societas sceleris, que tomou conta de parte do estado do Rio para se locupletar e alavancar o crime organizado.

A ex-governadora Rosinha é acusada de receber, para a campanha política, dinheiro sujo do crime organizado, que explora o bicho, bingos e máquinas de caça-níquel.

Tal situação de descalabro, ainda não alterada pelo governador Sérgio Cabral, que investe em ações espetaculares, ineficientes e de risco para a população pobre das favelas, foi o caldo a dar força às milícias, espécies de associações delinqüenciais mafiosas. Milícias formadas por policiais que controlam quase cem favelas. Ainda submetem os moradores às suas leis e aniquilam as mais elementares garantias individuais.

O seqüestro e as torturas impostas, por mais de sete horas, a três jornalistas do jornal O Dia, na Favela do Batam, mostram que as milícias não dão a mínima ao poder do Estado. A propósito, promoveram uma secessão, ou melhor, dominam espaços físicos fora de controle pelo Estado federado e pelo Estado nacional.

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