O governador do Piauí, Wellington Dias, manifestou sua opinião: a expressão do novo Brasil que se vive é o fato de que, pela primeira vez, há uma política que de fato leva em conta o conjunto do País. Ele defendeu essa idéia na abertura do seminário O novo Nordeste e o Brasil, sobre o qual falei no meu último artigo, realizado nos dias 15, 16 e 17 de maio, em Teresina, e promovido pela Fundação Perseu Abramo. E isso – acrescentou o governador – se dá num momento em que o mundo encontra-se inteiramente globalizado. Em meio, portanto, a um cenário em que os projetos nacionais encontram dificuldades de viabilização.
Esse projeto nacional, sob o governo Lula, não pretende nenhuma homogeneização. Observam-se as singularidades econômicas e culturais. Antes, muitos projetos se desenvolveram. Houve surtos de desenvolvimento em algumas áreas geográficas. Hoje, a tentativa é para que o conjunto do País se desenvolva e que, ao se desenvolver, ocorra também a distribuição de renda.
Dias falava sobre isso olhando de modo especial para o Nordeste. Há uma nova política para a região sob o governo Lula. E isso faz com que nenhum governador deva voltar-se apenas para seu Estado. Necessariamente, os governadores, especialmente a partir das últimas eleições, quando houve vitória de correntes progressistas, devem compreender que nenhuma política isolacionista terá sucesso nessa nova conjuntura.
O Nordeste é detentor de um conjunto de riquezas que ainda não tem condições de desfrutar econômica e socialmente devido especialmente às deficiências de infra-estrutura. Só para se ter uma idéia das dificuldades, Dias citou o fato de que no Piauí 70% da população não dispunha de energia elétrica. O programa Luz para Todos, do governo federal, é que está permitindo, agora, o enfrentamento do problema.
Impõe-se ao Nordeste de hoje, primeiro, na avaliação de Dias, que se mantenha uma rede de proteção aos mais pobres – e o Bolsa-Família tem sido um programa essencial nessa direção –, um ousado projeto de educação (que vá da alfabetização à pós-graduação) e um conjunto de investimentos voltado à infra-estrutura – rodovias, ferrovias, energia elétrica. E cada governador deve procurar absorver as experiências positivas desenvolvidas por outros Estados, para além de suas opções partidárias.
O ministro-chefe da Secretaria Geral da presidência da República, Luiz Dulci, desenvolveu raciocínios semelhantes. O projeto do governo Lula desenvolve-se de modo integrado, mas levando em conta as várias particularidades regionais. Recorreu a Sérgio Buarque de Holanda para dizer que o Brasil deve superar as desigualdades, mas valorizando as diferenças. “A diferença não é um problema. O problema é a desigualdade”, disse o ministro.
O desenvolvimento não se resume ao econômico. Há desenvolvimento, na opinião de Dulci, quando se consegue distribuir renda, conhecimento e poder. Citou um exemplo: até maio deste ano, sob o governo Lula, haviam sido realizadas 49 conferências nacionais, com a participação de mais de 3 milhões de pessoas, a evidenciar o envolvimento da sociedade civil na formulação das políticas públicas.
O seminário debruçou-se também sobre a política das águas ou, se preferirmos, sobre a segurança hídrica. O conferencista foi José Machado, atual diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), que lembrou, de um lado, o fato de o Brasil ser o país com maior disponibilidade de água do planeta, mas, também, que 70% dessa água estão localizados na Amazônia.
O grave, no entanto, quando se analisa o Nordeste é que uma região que abriga 29% da população do País conta com apenas 3% da disponibilidade de água do Brasil. E, para agravar mais o quadro, a água na região é mal distribuída. Machado fez um histórico sobre a política de recursos hídricos no Nordeste.
Lembrou que durante mais de 100 anos desenvolveu-se a política de construção de açudes na perspectiva de guardar água no período chuvoso para usá-la no período da seca. Isso, no entanto, não implicou desenvolvimento do Nordeste. Até porque não implicava usos múltiplos da água. E o problema da concentração da propriedade da terra continuava sem solução. O Proágua, programa do governo federal, está construindo novos açudes, canais e adutoras, e com isso está organizando melhor a distribuição e facilitando também as atividades de irrigação. Já estão contabilizados em torno de 800 mil hectares irrigados no Nordeste.
O fato, no entanto, é que a população rural dispersa, que é grande, não é atendida pelos açudes. O programa de construção de cisternas pretende atender esse contingente. Esse programa, que pretende coletar e armazenar água da chuva em cisternas para garantir água para beber e para uso familiar. Em aglomerações de mais de 20 famílias, dá-se a perfuração de poços e, a partir do poço, se constrói uma caixa d’água, uma lavanderia e sanitários.
Se a tudo isso se junta o projeto de interligação de bacias, há então uma política de recursos hídricos mais equilibrada. Ao se importar água de outras bacias e ao assegurar que ela possa servir também a usos econômicos, pode ocorrer uma distribuição mais homogênea da água. Com o aumento da população nordestina, vai aumentar também a atividade econômica. E assim cresce o consumo de água para o povo e para o setor produtivo.
A gestão das águas deve ser desenvolvida, na opinião dele, olhando-se principalmente o consumo humano. Mas não pode desconsiderar as necessidades da economia. Disse que há uma democratização da gestão, com a existência dos Comitês de Bacias e Conselhos Estaduais. A sociedade civil vem participando. O governo federal está preocupado, também, com a qualidade da água dos açudes. Anteriormente, a única preocupação era com a quantidade de água que eles armazenavam. Hoje, a apreensão é com o fato de que eles estão se poluindo, sobretudo com os esgotos domésticos. Serão necessários investimentos altos para o trabalho de despoluição.
Esse novo Nordeste tem que enfrentar tudo isso. O Nordeste já convive com metrópoles. Com uma imensa e dispersa população rural no gigantesco semi-árido. Parques industriais significativos. Áreas de agro-negócio de grande vulto. Concentração da propriedade da terra. Um déficit educacional de bom tamanho. Escasso desenvolvimento de ciência e tecnologia. Alto índice de analfabetismo. Monoculturas como as do eucalipto e da cana em várias regiões. Crise de culturas tradicionais, como o algodão e o cacau. Investimentos altos do Programa de Aceleração do Crescimento, especialmente na infra-estrutura.
É sobre essa realidade complexa, contraditória e dinâmica sob vários aspectos que os governadores terão que se debruçar. Sem particularismos. O novo Nordeste só poderá enfrentar os desafios que têm pela frente se conseguir criar uma alguma unidade que, levando em conta as diferenças, encontre os pontos comuns para o desenvolvimento com distribuição de renda. É esse desenvolvimento que interessa à população. Parece ter sido essa a principal lição do seminário sobre o novo Nordeste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário