Resultado de uma descontraída conversa de quase duas horas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva:
– Cumprirá o mandato até o último dia, e jura que não sonha em voltar à Presidência;
– Entregará ao sucessor documento registrado em cartório com todas as suas realizações;
– Mal consegue disfarçar a torcida pela vitória de Barack Obama nos EUA;
– Diz que não tem candidato escolhido à sua sucessão. Mas também mal-disfarça a preferência por Dilma Roussef;
– O governo não assumirá que tem interesse na aprovação no imposto do cheque pelo Senado, mesmo que isso resulte na sua derrota;
– Criará um fundo para a educação com o dinheiro dos royalties do petróleo;
– Promete neutralidade em relação aos diversos candidatos dos partidos aliados nas próximas eleições municipais;
– Cobrará aumento da produtividade nos assentamentos dos sem-terra.
Marcos Troyjo
Tales Faria
Mauro Santayana
Marcello D’Ângelo
BRASÍLIA– O JB teve uma importância grande na minha atividade sindical. Fui muito ligado ao diretor da Sucursal em São Paulo na época em que começaram as greves do ABC. Era o João Batista Lemos, grande jornalista. O JB tinha cobertura quase privilegiada. Não só pela minha amizade com o Lemos, como também porque o jornal tinha uma sucursal muito forte. Tem até uma história curiosa. Quando estive preso, algumas pessoas me procuraram na delegacia dizendo que “o chefe” queria falar comigo. “O chefe, o chefe, o chefe”. Aí criaram essa história de que era o ministro Golbery do Couto e Silva, o governo. Nada disso. “O chefe” era o Lemos. O pessoal dele que havia levado o recado de que ele, “o chefe”, queria falar comigo. Só isso. Aquele momento era de muita ebulição. Para distribuir um jornalzinho do sindicato você tinha que enfrentar a ira de um coronel, a segurança da Volkswagen cercava o pátio. Para o trabalhador entrar com o boletim do sindicato ele tinha que guardar por dentro da camisa, na barriga, com medo da segurança ver. Hoje, você vai na Volkswagen, você vai na linha de montagem, vai passando jornalzinho para qualquer trabalhador pegar o seu.
O movimento sindical ficou muito mais pragmático?
– Em São Bernardo do Campo as comissões de fábrica funcionam para caramba – 90% dos processos são resolvidos dentro da fábrica. Teve um tempo desses aí que eles tiraram 600 processos da Justiça, fizeram acordo pela fábrica, foram na Justiça com a empresa para retirar o processo.
O senhor diria que o sindicalismo se adaptou aos novos tempos?
– Acho que o sindicalismo teve uma evolução em suas conquistas. Os sindicatos podem transitar nas suas relações com o capital ou mesmo com o governo com mais facilidade. Para fazer uma greve, eu precisava passar uma semana gritando na porta de fábrica. Agora, convoca-se a comissão de fábrica no mesmo dia: “quarta-feira, 8h vamos estar lá”. O sindicalismo atualmente vem ao Congresso Nacional brigar por Imposto de Renda, os funcionários públicos estão aprendendo a brigar por aumento na hora de fazer o Orçamento da União. No meu tempo, qual era a nossa marca registrada? Contestação. Não tinha compromisso com propostas. Só o de protestar. Hoje, e eu participei muito disso na década de 90, o movimento sindical tem que ser propositivo. Na medida em que as fábricas não vão ter mais a quantidade de trabalhadores que tinham – a Volkswagen tinha 44 mil trabalhadores e hoje tem 13 mil – os sindicatos têm que apresentar propostas. Esse negócio de carro flex, por exemplo, tem muito a ver. O sindicato passou oito anos fazendo proposta de renovação da frota.O movimento social não evoluiu da mesma maneira.
O MST lembra muito isso que o senhor está dizendo, que é de se tornar uma máquina de protesto.
– É muito difícil você fazer movimento social, e até sindical, na época em que as coisas estão indo bem. Quando o Fernando Henrique Cardoso fez o Plano Real, fiz uma reunião com os sindicalistas, e disse: não estamos acostumados a trabalhar em época de inflação baixa. Na medida que você tem inflação baixa e que o salário não é o primeiro item da pauta de reivindicações, pode diminuir a força do sindicato. Voltando à questão do movimento social. Na medida em que você tem um governo que atende às reivindicações, que faz as coisas que têm que ser feitas, que decide as políticas em conjunto, o movimento social também precisa avançar. No caso dos sem-terra, na hora que você tem geração de emprego, há menos gente para os assentamentos. Em cinco anos e meio nós desapropriamos 35 milhões de hectares de terras e o governo passado, em oito anos desapropriou 18 milhões de hectares. Chega um momento, quando você assenta 501 mil famílias, que o problema não é mais assentar. Nós tomamos na semana passada a decisão de fazer os assentamentos produzirem mais alimentos. Chegou a hora de dobrar ou triplicar a produtividade das pessoas que estão no campo. Não podemos permitir que fiquem apenas naquela agricultura de subsistência. Precisamos dar condições para produzirem e ganharem dinheiro. As pessoas têm que saber que ganhar dinheiro é bom. E eu acho que isso é que tentaremos fazer daqui para a frente. Obviamente que vamos continuar com os assentamentos, mas eu quero carrear mais recursos para assistência técnica, e para levar tecnologia aos agricultores, financiar mais tratores. Cabe ao governo aumentar o preço mínimo para incentivar a produção. Podemos também aumentar a compra de alimentos da agricultura familiar e distribuir para a merenda escolar e para as pessoas mais pobres. Essa é uma decisão tomada no governo e que vamos implementar. Se você pegar a agricultura familiar, verá que nós temos uma margem de crescimento de produtividade extraordinária.
Se baixassem um pouquinho os juros, isso não ajudaria a aumentar a produtividade?
– Hoje aproximadamente 60% do custo do dinheiro que vai para a produção no Brasil não têm nada a ver com a taxa básica do Banco Central, a taxa Selic. Você tem dinheiro tomado por empresários no exterior com outras taxas de juros, tem todo o dinheiro do BNDES – R$ 90 bilhões este ano – financiado com taxas menores. O grande prejudicado com a Selic é o próprio Estado, porque aumenta a dívida pública. O problema é a inflação. E por que há inflação? Porque algum setor está aumentando o preço. Se ninguém aumentasse o preço, não teríamos inflação. Há setores que estão aumentando porque dependem de matéria-prima internacional, mas isso não explica o caso do feijão, do arroz, que são coisas nossas. No caso do aço, o minério é brasileiro, as siderúrgicas são brasileiras, os salários são em reais, então não há por que acompanhar o preço internacional. Tenho dito tanto para empresários como para agricultores: está na hora de vocês alertarem os setores que estão elevando os preços. E qual é a alegação para aumentar preços? Aumenta a demanda na construção civil, aumentam os preços. Os empresários deveriam ter um procedimento diferente. Na medida em que aumenta a demanda, não precisa aumentar o preço. Vocês vão ganhar mais pelo aumento do volume de vendas.
Qual a certeza com que eu trabalho? Primeiro, acho que resolveremos a questão dos preços dos alimentos. Segundo, a questão da oferta. Precisamos aumentar a produtividade. Temos terra, temos água. Por isso vamos melhorar a produtividade, qualificar melhor nossos agricultores. A segunda coisa importante é que temos mais investimentos sendo aplicados. Nesse primeiro momento o investimento se transforma em consumo. Está sendo construída a usina da ThyssenKrupp no Rio de Janeiro. Ali estão comprando telhas, cimento, ferro, tudo o mais, que aumenta a demanda. Mas se está construindo o pólo petroquímico no Rio de Janeiro. Daqui a algum tempo esse consumo vai virar oferta. E aí é que eu acho que a coisa encontra o equilíbrio, a fim de garantir o desenvolvimento sustentado do país. Trabalho sempre com a idéia de que o Brasil não precisa ficar com o trauma de que não pode crescer mais de 3% e nem o trauma de que precisa crescer 10%. O Brasil precisa ter um crescimento sustentado de 4,5% a 5% durante 10 ou 15 anos consecutivos. Se o Brasil fizer isso nós entraremos no rol dos países ricos.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, propõe a criação do Fundo Soberano para segurar a inflação. Os economistas falam em controlar gastos públicos.– Por que criamos o Fundo Soberano? Porque dá margem de manobra para você ter dinheiro para facilitar investimentos do Brasil no exterior e ao mesmo tempo dá uma margem de manobra com a arrecadação a mais, a fim de não colocá-la no custeio e ter um dinheiro à parte, que pode ser contado até como superávit primário. Fiz questão de elogiar o Mantega e a equipe dele, porque foi uma medida extremamente inteligente. Então, quando as pessoas falam que a máquina gasta muito, eu queria dizer o seguinte: quanto o Franklin Martins (ministro-chefe da Secretaria de Comunicação) ganhava na Rede Globo, ou quanto ele ganhava na TV Bandeirantes? E quanto ele ganha aqui? R$ 10 mil, para trabalhar certamente o triplo do que trabalhava. Ontem recebi o Ricardo Kotscho (ex-secretário de imprensa do Palácio). Está trabalhando num blog. Ele disse que nunca ganhou tanto dinheiro. Ficou três anos aqui ganhando R$ 7 mil. Eu tinha um cidadão da Petrobras, que saiu da Petrobras, chorou aqui nesta sala, grande companheiro. Eu achei que ele ganhava demais – R$ 26 mil por mês. Achei que era um baita de um salário. Ele saiu para ganhar R$ 200 mil por mês com dois anos de pagamento adiantado. E agora já saiu para ganhar R$ 400 mil. Você tem um grau de funcionários de alta qualidade neste país que ganha porcamente. O Estado precisa ter funcionários qualificados, bem remunerados, para dar o retorno para a sociedade. As pessoas perguntam, por que o Hospital Sarah Kubitschek funciona e as pessoas são felizes lá? Porque ganham bem, têm jornada de trabalho integral, não podem trabalhar em outro serviço.
Até 2010, nós estaremos inaugurando e colocando para funcionar 214 novas escolas técnicas no Brasil. É importante lembrar que desde a primeira escola técnica criada por Nilo Peçanha em Campos, em 1909, até 2003, o Brasil construiu 140. Em 93 anos. Nós, em oito anos, vamos construir 214 escolas técnicas. Para construir, eu preciso ter técnicos, preciso ter funcionários. Nós estamos fazendo 12 universidades integradas com outros povos. Estamos fazendo uma latino-americana, estamos fazendo uma para a África (Brasil–África), destinada aos países de língua portuguesa. Se Deus quiser, vamos instalá-la no Ceará, que foi a primeira província do Império a libertar seus escravos. Nós vamos ter um total de 15 novas universidades e por volta de 88 novos campi universitários. Tudo isso precisa de professores e técnicos. Então, não tem remédio.
A aprovação da Contribuição Social para a Saúde (CSS) ajuda a colocar dinheiro em caixa. O governo assumirá que tem interesse no imposto?– Não. Isso será uma decisão do Congresso. Os senadores votarão com sua consciência. Graças a Deus as instituições no Brasil funcionam exageradamente bem.
Como o senhor vê as eleições nos EUA. Torce para alguém?– Não, não posso dizer. O Monteiro Lobato escreveu que um dia haveria uma disputa entre uma mulher e um candidato negro nos Estados Unidos. É o que está acontecendo com o Barack Obama. Eu acho que é uma revolução na cabeça do eleitorado americano. Se Obama ganhar será mostra de grande evolução. Essa é a grande novidade desses últimos 100 anos da História. E Deus queira que, ganhando as eleições, ele possa ter uma política dos Estados Unidos diferente para América Latina.
O senhor o conheceu pessoalmente?
– Não. Mas tem a vantagem que o Mangabeira Unger (ministro de Assuntos Estratégicos) foi professor dele em Harvard. É um companheiro, indiretamente... (risos)
O senhor o congratulou pela vitória nas primárias?
– Não. Até conversei com o Mangabeira, o ideal é esperar pelo final da campanha, para saber qual será a política dele para a América Latina. O que ele já fez com relação ao Brasil, quanto aos combustíveis de fontes renováveis é um passo importante. A meu ver os Estados Unidos deveriam ter um olhar para a América Latina, que não fosse o olhar conspirador. Hoje não existe mais ninguém querendo fazer revolução na América Latina. Hoje todos os países estão participando de programas democráticos. Agora o que acontece é que os Estados Unidos, de um lado, têm a responsabilidade, o Brasil, de outro, tem a mesma responsabilidade, assim como o México, de contribuir para que essa região se desenvolva e possa evoluir em paz. Acho que o novo presidente deveria ter um olhar positivo para a América Latina e espero que tenha. O McCain também fez muitos elogios ao Brasil.
Aqui no Brasil, o senhor acha que vai conseguir eleger a ministra Dilma Rousseff em 2010?
– Eu não tenho candidato.
Mas o senhor declarou há poucos dias que a Dilma está sendo atacada por ser a favorita.
– Não declarei isso. Mas começaram a atacá-la quando disse no Rio de Janeiro que Dilma era a mãe do PAC. Ela trabalha nesse PAC 24 horas por dia, controla todos os investimentos do PAC, fica sabendo se é preto, se é roxo. Ela é quem chama os ministros, que presta contas para mim a cada mês, que presta contas para a imprensa. Depois que eu disse isso, talvez os adversários entenderam que era uma senha. E começaram a atacar.
Estão atacando-a por ser a favorita para ganhar as eleições?
– A minha idéia é construir uma candidatura única da base do governo. Quero juntar todos os partidos. Acho que é plenamente possível. Temos 27 candidatos a governador, 54 candidatos a senadores, vices, cargo não falta para quem quiser disputar. Basta que as pessoas decidam claramente se querem disputar a eleição para ganhar ou se querem fazer aventura de ser candidato a qualquer preço. Eu, particularmente, trabalho com a hipótese de fazer a minha sucessão. Estou convencido que tudo o que estamos fazendo precisa continuar. Eu ainda não tenho candidato, não quero discutir isso. Agora, se você perguntar: “A Dilma tem competência?” Eu digo, tem, sim. Acho que tem pouca gente no Brasil hoje com a capacidade gerencial que a ministra Dilma tem. Agora, entre ter competência gerencial e uma candidatura à Presidência, há uma distância da largura do Oceano Atlântico.
Qual seria o seu legado para o sucessor?
– Vamos esperar 2010. Eu pretendo fazer uma inovação no final do meu mandato. Quero pegar todas as coisas que foram feitas. Cada ministério vai ter que me entregar tudo o que foi feito nesses últimos anos, registrar em cartório e me entregar, que eu quero entregar para o meu sucessor, quero entregar para a imprensa, registrado em cartório. Cada coisa que nós fizemos, cada obra, cada projeto, cada investimento, que é para não apagar a memória. Tudo isso está no computador. Se você entrar no computador hoje, isso aqui, que é um documento especial do presidente da República, se vocês entrarem no site, vocês terão todo dia, renovado todo mês, vocês entrarão no site do governo e terão tudo o que o governo está fazendo. E aí, sim, eu vou ter o legado. Eu vou ter o legado da recuperação da memória brasileira, quero ter isso na minha conta, quero ser o presidente que mais fez escolas técnicas neste país. Quero ser o presidente que no seu mandato fez mais universidades. Tudo isso, que mais melhorou a vida dos trabalhadores brasileiros, que mais estabeleceu relações com a sociedade. Acredito piamente que nós precisamos consolidar a mudança do padrão da relação entre o Estado e a sociedade. Veja uma coisa: na semana passada se criou uma celeuma se eu iria ou não à Conferência Nacional do Movimento GLBT (Gays, lésbicas, bissexuais e travestis). É um absurdo. Você imagina que o preconceito perpassa na cabeça de cada jornalista, a cabeça de cada integrante do governo, a cabeça de cada pessoa, porque o preconceito é generalizado. Você imagina... Eu sou, na história do mundo, o primeiro presidente a ir a uma conferência em que você tem lésbicas, travestis, homossexuais. E eu fui lá e se não tivesse escrito nos cartazes que era GLBT, eu sairia como se estivesse em qualquer outro encontro que não fosse desse movimento. Agora, nós criamos o preconceito. E eu dizia para eles: ninguém tem preconceito quando vocês vão votar. Ninguém tem preconceito quando vocês vão pagar Imposto de Renda. Eu acho o preconceito a pior doença na cabeça do ser humano.
Por falar em preconceito, no Rio de Janeiro o PMDB e o PT romperam a aliança em torno da candidatura do petista Alessandro Molon. Motivo: existia uma grande dificuldade de acordo com o PT no interior do Estado. O senhor não acha que existe um certo preconceito do PT com os partidos aliados?
– Não vamos misturar divergências politico-ideológicas com preconceito. São duas coisas distintas. O PT, como os outros partidos políticos tem os seus defeitos. Todo partido político, do A ao Z, todos gostariam de ter o seu candidato a prefeito, o candidato a vice ser seu, a chapa de vereador ser puro sangue e eleger todo mundo. É bom que isso não seja sempre possível, para que nós possamos ter a cabeça arejada. Mas , infelizmente, não deu certo no Rio de Janeiro entre o PT e o PMDB, embora tenha dado certo em vários outros lugares.
Mas como o senhor vê o caso de Belo Horizonte?
– Sou um crítico do comportamento do PT em relação a Belo Horizonte. Você tem um problema local, que a direção municipal aprovou, a direção estadual aprovou, e a direção nacional parte para cima de uma briga que não é nossa. Ora, o candidato é do PSB, o vice é do PT, não vai ter coligação na chapa de vereadores, onde é que está o Aécio Neves a essa altura, senão apenas apoiando? Qual é o estigma, se nós temos em outros lugares aliança com o PFL e com o PSDB? Na política também quando você cria estigmas contra as pessoas, você começa a perder. Eu ainda acredito que o PT vai voltar atrás no caso de Belo Horizonte.
E no caso do Rio?
– No caso do Rio, o PMDB decidiu ter candidatura própria.
Não posso dizer que não deva ter porque o partido tem o governador do Estado, é forte, pode ter. Agora, o que eles têm que admitir é que o PT também tem que ter candidato. O que eu acho é que se todos tivessem juízo a base do PT se uniria com o candidato a vice e a prefeito, ganharia as eleições e ajudaria a transformar o Rio de Janeiro na Cidade Maravilhosa.
Isso vai fazer com que o senhor tenha que ficar neutro na disputa do Rio?
– Já tomei a minha decisão antes. Eu participarei muito pouco das eleições municipais em todo o país. O presidente da República não vai se meter nas eleições municipais, porque tem muitos deputados concorrendo às eleições. E a glória de quem ganhar vai ser dele, na cidade dele. Vai ter festa, não vou ficar nem sabendo. Mas os que perderem voltarão para cá azedos. E aí eu tenho que conviver com eles mais dois anos. Então eu preciso saber que caldo de galinha e cautela não fazem mal a ninguém. Eu preciso governar este país até 2010, com a tranqüilidade que estamos governando agora. Por isso não farei das eleições municipais um cavalo de batalha.
E essa descoberta de petróleo?
– Eu trabalho com o cenário de que o Brasil será o terceiro ou quarto produtor mundial de petróleo. O Brasil não pode se conformar a ser um país exportador de petróleo bruto. Nós precisamos usar essa potencialidade em petróleo e criar uma verdadeira indústria petroleira neste país. Um estaleiro para construir sonda, um estaleiro para construir plataforma, um estaleiro para construir embarcações. Hoje, se a gente tivesse que completar todas as sondas que a Petrobras precisa para começar a trabalhar, a gente não teria condições só com a produção brasileira. Será preciso a gente trazer de fora para que dê tempo de o nosso parque industrial se preparar. Mas essa é uma oportunidade excepcional para a gente desenvolver a indústria naval brasileira. E eu acho que nós precisamos aproveitar esse petróleo, eu não discuti ainda com ninguém o que nós vamos fazer com o petróleo, que pertence à União. As áreas que não foram leiloadas ainda são da União.
O Brasil deveria criar uma nova empresa com monopólio total sobre as novas jazidas?
– Eu na verdade estou pensando seriamente nos investimentos que podemos fazer. Eu sonho com a criação de um fundo para investir na educação neste país. Outra coisa que penso é que o Brasil vive um momento tão excepcional que eu acho que a nossa oposição deveria ser mais construtiva. Achei bom o programa de TV do PSDB. Eles deveriam fazer na prática o que falaram na televisão. Fizeram até em branco e preto para parecer uma coisa antiga. Gostei muito. Mas eu queria que eles assistissem ao programa todo dia quando levantassem de manhã para ir ao Congresso.
O que o senhor achou do depoimento da diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Denise Abreu?
– É como se alguém levantasse pela manhã, fosse fazer um suco de laranja e a laranja não tivesse suco. Ou seja, como é que podem alguns senadores passarem 9 horas naquela conversa com ela, sem nada. Espremiam, espremiam e, nada. O que deu? Qual é o resultado daquilo? Esse caso da Varig foi inteiramente cuidado por um juiz, começou e terminou. Não houve participação do governo, porque o governo não podia fazer nada. Estava na mão do Judiciário. Agora vêm as pessoas e dizem: mas o governo tinha pressa. Lógico que nós tínhamos pressa. A Varig estava quebrada. Todo dia a manchete era sobre o caos aéreo. Vejam o caso do avião de Congonhas. Foi o pior inferno que eu já vivi. De repente, estou sentado na minha mesa e jogam nas minhas costas 200 mortos. E eu acompanhei tudo que se escreveu, acompanhei televisão, mudava de canal toda hora. Era como se o governo fosse o responsável por aquele avião ter caído. Nós não parávamos nem para pensar. E no dia seguinte saiu o vídeo da Infraero mostrando o que realmente aconteceu. As pessoas simplesmente apagam da memória, sem um pedido de desculpas. Ou um "erramos!". Apagam, esquecem. Eu penso que, no Brasil, a imprensa trabalha com traumas. Não tem coisa que magoe mais um jornalista do que ser chamado de chapa-branca. E às vezes o medo de ser chapa-branca faz ele extrapolar os limites do que pode fazer. O telespectador é mais inteligente do que a gente pensa. Ele saca. Tem um apresentador de televisão, que falava mal do governo todo dia. O pessoal ficava incomodado. Eu disse: gente, antes de ser presidente eu fui telespectador a vida inteira. E o telespectador não acredita nem em uma pessoa que só fale bem, nem em uma pessoa que só fale mal. Não acredita. Se você aparecer 20 vezes falando bem do governo, ninguém acredita. Se você aparecer 20 vezes só falando mal, também ninguém acredita.
O senhor ainda se julga de esquerda?
– Eu cada vez sou mais torneiro mecânico. (risos) Nunca gostei de andar com rótulo na testa, que sou isso ou aquilo. Obviamente que todo mundo sabe da minha origem, da minha vida pública, e que eu me considero um homem de esquerda.
E corinthiano...
– Sofri muito quarta-feira à noite.
Mas o senhor não pode falar mal do Sport, porque se quiser ser candidato ao Senado por Pernambuco...
– Só um ato de insanidade me faria deixar sete meses a Presidência da República para ser candidato ao Senado. Este aqui é o cargo mais importante da Federação. Eu levei 12 anos para chegar aqui, por que vou deixar isso aqui para ser candidato ao Senado?
O senhor ainda é jovem...
– Vou deixar a Presidência com 64 anos de idade. Obviamente que para os padrões políticos brasileiros não sou velho. Meu paradigma de longevidade é a Dercy Gonçalves e o Oscar Niemeyer. Quero chegar a essa idade, com o prestígio do Oscar Niemeyer e com a peraltice da Dercy Gonçalves. Eu a vi um dia desses na televisão, ela fala todas as bobagens que um ser humano tem direito. Obviamente que vou deixar a presidência aos 64 anos de idade e que nunca vou desistir da política. Também não quero voltar ao poder, não quero voltar a dirigir o partido, não está mais na minha cabeça. Vou viajar pelo Brasil, gosto deste país, vou conhecer cada vez mais por dentro este país. E não tenho pretensões de dar palpites, quem quer que seja que esteja aqui, não ouvirá da minha boca nenhum palpite sobre qualquer que seja sua decisão. Na minha filosofia, rei morto, rei posto.
Mas nada impede que o senhor volte. O senhor vai ser uma pessoa forte no país, de qualquer maneira.
– Não trabalho com a hipótese de volta. Se eu puder fazer um juramento: pela felicidade do meu filho caçula. Por que eu não trabalho com a possibilidade de voltar? Eu trabalho com a possibilidade de fazer a minha sucessão. Se eu eleger meu sucessor e ficar do lado de fora dando palpite, com poucos meses terei a pessoa que elegi como minha adversária. Como acontece em alguns países e como já aconteceu aqui. Se eu elegi uma pessoa, eu tenho a obrigação moral de ajudar essa pessoa a governar bem. E uma forma de ajudar a governar bem é não dar palpite. Se for consultado, ainda assim, falar em off. Qual é a hipótese de voltar? Se você estiver vivo ainda, se for um adversário que seja eleito. Trabalhar com essa hipótese é no mínimo mesquinharia elevada à quinta potência. Quando você passa por aqui, você tem que ser tão humilde e começar a imaginar que quem sentar aqui tem que fazer o máximo e o melhor que puder fazer, porque só assim o povo brasileiro vai ganhar. Então a gente não pode nunca torcer contra. O meu lema é o seguinte: dia primeiro de janeiro de 2011 eu entregarei a Presidência da República para alguém e vou para a minha casa conviver com a minha família. Não tenho tenho interesse de ser candidato a senador, a governador, a vereador. Nada.
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