sábado, 29 de novembro de 2008

O furacão e a Themis - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)

Em abril de 2007 eclodiu a Operação Hurricane (furacão) da Polícia Federal, resultante de 1 ano e 3 meses de investigações e cerca de 40 mil horas de conversas captadas, legalmente, por meio de escutas telefônicas e ambientais.

Dentre os presos cautelares figuravam dois desembargadores do Tribunal Federal da 2ª Região, José Eduardo Carreira Alvim e Ricardo Regueira. Também um representante do Ministério Público Federal, João Sérgio Leal Pereira e um juiz do Tribunal do Trabalho de Campinas, Ernesto Dória. Este chamava a atenção, nas fotografias e filmagens, pelo uso de um par de óculos de armação gigante, bem maior que a máscara do Zorro, e pelo distintivo de juiz, preso na lapela do paletó. Com uma armação similar, nenhum assaltante precisa se encapuzar.

Ainda foram presos na Operação Hurricane os antigos e famosos bicheiros Capitão Guimarães, Anísio Abrahão e Turcão. Aquele que começaram por comandar o Carnaval carioca com parte do lucro do jogo do bicho. Nos últimos anos, são gestores do espetáculo momístico. Organizam a festa, embolsando, pelas Ligas, as verbas municipais destinadas ao carnaval.

Nas diferentes fases de desenvolvimento da Hurricane, foram presas 60 pessoas, apreendidos 51 luxuosos carros importados mostrados pelo Jornal Nacional, jóias valiosas e R$10 milhões em papel moeda.

O furacão, no entanto, perdeu a força, -- não o prestígio junto à população --, quando os potentes começaram a ser postos em liberdade, a começar por habeas-corpus liberatórios concedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em resumo, todos os 60 presos pela Hurricane foram soltos pela Justiça.

Os dois desembargadores, Ricardo Regueira, recentemente falecido, e José Eduardo Carreira Alvim, ex-vice-presidente do tribunal e candidato derrotado à presidência da Corte em processo eleitoral com pesadas acusações e suspeitas de escutas ambientais em gabinetes. No dia seguinte à soltura, os referidos desembargadores, sem constrangimento, voltaram aos seus gabinetes e às funções jurisdicionais.

Uma interceptação telefônica revelou que o advogado e lobista Virgílio Medina, irmão do ministro Paulo Medina do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negociou, por R$1,0 milhão, a venda de uma liminar a beneficiar a máfia da jogatina eletrônica. Uma liminar da lavra do ministro Paulo Medina do STJ resultou na liberação de 900 máquinas de jogos de azar, decisão posteriormente cassada pela ministra Ellen Gracie, do STF.

Por decisão cautelar do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Medina acabou suspenso da função jurisdicional, mantidos, por evidente, os vencimentos integrais.

Nesta quarta-feira 26, o STF, por maioria de votos, recebeu, parcialmente, a denúncia do procurador geral da República e deu início a um processo criminal contra o ministro Medina, o desembargador Carreira Alvim, o juiz Dória, o procurador Leal e outros implicados como, por exemplo o supracitado advogado e agenciador Virgílio Medina. Na decisão, todos os magistrados permanecerão fora de função, até julgamento final do processo-criminal.

Com efeito, por 7x2 o STF recebeu a denúncia a respeito do crime de corrupção passiva de que é acusado o ministro Medina. Igual placar deu-se com relação ao crime de prevaricação. Por um voto (4x5), rejeitou-se a denúncia que apontava Medina como membro da máfia dos jogos eletrônicos de azar.

O relator do caso foi o ministro Cezar Peluso. Para o ministro Marco Aurélio, não merecia recebimento a denúncia contra Medina por crimes de corrupção, prevaricação e formação de quadrilha: todos de que é acusado.

A ministra Carmem Lúcia só enxergou razoável a denúncia por prevaricação contra o ministro Medina. Como não assisti ao julgamento pela televisão, não sei informar se a ministra tinha tomado emprestado os óculos do acusado Ernesto Dória, de grossas lentes escuras.

Os ministros Eros Grau e Ricardo Lewandowsky viraram a votação que se encaminhava para o recebimento da acusação de formação de quadrilha por parte de Medina. Para eles, o processo não deveria ser aberto por tal delito.

Quanto ao desembargador, o juiz, o procurador e o agenciador irmão de Medina, a denúncia foi aceita com referência aos crimes de corrupção passiva e formação de quadrilha.

Pelo jeito, a Themis, - deusa da Justiça -, deu uma arribada, diante da decisão do STF. Um tapa, com botox ou um lifting, depois de 60 indiciados ganharam a liberdade.

No particular, até os bicheiros ficaram fora das grades, -- e o processo contra eles foi excluído do foro privilegiado--, embora cometam contravenções e delitos diariamente, ou melhor, continuadamente. E até resultado de carnaval a cúpula do bicho manipula, como se suspeitou em 2007, depois da vitória da Beija-Flor da Nilópolis. Em síntese, nem a prisão de Guimarães, Anísio e Turcão, entendeu-se necessária, embora banquem jogos de azar, promovam lavagem de dinheiro e corrupção.

O presidente Zeus, marido-poderoso da Themis, -- aquele que chama “às falas” até o nosso mortal presidente da República --, precisava da melhora da sua convivente, a companheira Themis, de segunda núpcias. Assim mesmo, acabou sendo o único a sugerir que, com relação ao ministro Medina, toda a acusação deveria limitar-se à corrupção passiva.

O certo é que a Themis estava caidinha desde 2007. Isto depois da passagem do Hurricane que fez com que ela fosse parar no Irajá, na companhia de bicheiros e da máfia da jogatina eletrônica de azar.

Themis deu recentemente uma piorada depois que um potente banqueiro, --que usa grampos da marca Kroll-, colocou em dúvida a sua honradez. Isto com uma ainda mal contada história de que controla, com dinheiro, Tribunais superiores.

Mal contada história porque, nos Tribunais regionais e no STJ, o auricular-banqueiro perdeu todas. Ele só conseguiu duas liminares do marido da Themis, confirmadas pela maioria dos membros do Pretório do Olimpo.

O caso do ministro Paulo Medina surpreende, pois o seu passado não o condena. Ao contrário, o enaltece. O ministro Medina é juiz há 40 anos. Ele ingressou na magistratura de Minas Gerais, foi desembargador e corregedor geral da Justiça mineira. Foi, também, presidente da Associação Brasileira de Magistrados e ministro por escolha do então presidente Fernando Henrique: confira, abaixo, o currículo do ministro, tirado do site do STJ.

O ministro Medina foi acusado de corrupção. Teria vendido uma liminar, que resultou na liberação de 900 máquinas eletrônicas de jogos de azar. Mais ainda, ele teria, intencionalmente, atrasado andamentos de processos para que caíssem na prescrição e ocorressem impunidades. Aqui, como até os ministros do STF têm processos com prazo estourado (o ministro Jobim, por exemplo, deixou um cartório de processos ao aposentar), a prova da intenção de promover a impunidade será tormentosa, para a acusação.

Convém destacar que havia justa causa para o recebimento da denúncia por crime de corrupção passiva. O advogado e irmão do ministro, conforme interceptação telefônico lícita, negociou, usando o nome do ministro, uma liminar, por 1 milhão de reais. E na fase da denúncia vale o “in dubio pro societatis” e não o “in dúbio pro reo”.

Por outro lado, será bom para a Magistratura que o STF julgue o mérito das acusações, ou seja, se verdadeiras as imputações. Afinal, diante do que disse Virgílio Medina e da liberação de 900 máquinas por liminar, não dava para não receber a denúncia por crime de corrupção passiva.

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Curriculum Vitae do ministro Paulo Medina.
--1-Bacharel em Direito - Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - 1965.
Presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Monitor das cadeiras de Direito Administrativo e Constitucional.
Orador da Turma de 1965.
Curso de Especialização em Ética e Pedagogia, Técnica de Comunicação e Expressão - 1966.

--2- Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a partir de 26/6/2001.
Membro da 3ª Seção e da 6ª Turma.

--3- Magistratura:
Aprovação no concurso para Juiz de Direito em Minas Gerais - 1968;
Juiz da Comarca de Ervália – primeira entrância – 2/10/1968;
Juiz da Comarca de Camanducaia – segunda entrância – 12/5/1970;
Juiz da Comarca de Santos Dumont – segunda entrância – 4/12/1971;
Juiz da Comarca de Conselheiro Lafaiete – terceira entrância – 10/11/1973;
Juiz da Comarca de Belo Horizonte – entrância especial – 7/10/1978;
Juiz - Diretor do Foro Eleitoral de Belo Horizonte.
Juiz do Tribunal de Alçada – 1/11/1985:
Segunda Câmara Cível;
Primeira Câmara Criminal;
Segunda Câmara Criminal – Presidente;
Presidente das Câmaras Criminais do Tribunal de Alçada;
Vice - Presidente do Tribunal de Alçada - 9/11/1990.
Desembargador do Tribunal de Justiça – 29/8/1991:
Quarta Câmara Cível;
Segunda Câmara Cível;
Segunda Câmara Criminal;
Terceira Câmara Criminal – Presidente;
Membro do Conselho Superior da Magistratura – 30/5/1992;
Membro da Corte Superior – 8/11/1995;
Vice - Corregedor Geral de Justiça – 5/10/1998;
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais;
Corregedor - Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais.

--4-Magistério:
Aprovação em Concurso Público para Professor de Direito Judiciário Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG;
Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Barbacena – MG;
Professor de Direito Penal e de Direito Civil da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete – MG;
Diretor da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete - MG;
Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

--5- Outras Atividades exercidas:
Vereador - Rochedo de Minas – 1961/1965.
Presidente da Câmara Municipal.
Advogado - OAB/MG 8.012 – 1966/1968.

--6- Participação em Entidades de Classe:
Presidente da Associação dos Magistrados Mineiros – AMAGIS - 1993/1995;
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB - 1995/1997;
Presidente da Federação Latino - Americana de Magistrados – FLAM - 1997/1999.

--7-Publicações:
Autor de diversos artigos publicados em revistas e periódicos especializados.
Autor do livro Cidadania só com Justiça sobre as relações do Poder Judiciário com o poder político e a sociedade.

--8- Condecorações, Títulos, Medalhas:
Medalha de Honra da Inconfidência;
Medalha Santos Dumont, grau Ouro;
Medalha Ordem do Mérito, pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais;
Colar do Mérito Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais;
Colar do Mérito Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro;
Comenda José Maria Alkimin do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.
Títulos de Cidadania Honorária de Belo Horizonte, Juiz de Fora, Conselheiro Lafaiete, Caxambu e Santa Bárbara.

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