Direitos Humanos: a renúncia de Baltasar Garzón
O magistrado espanhol Baltasar Garzón atua, na Espanha, como juiz de instrução. Lá não existe a figura do inquérito policial, que é invenção brasileira. Cabe a um juiz-instrutor espanhol comandar a investigação voltada a apurar a existência de crime e a sua autoria. O Brasil, como se nota da leitura da Exposição de Motivos (uma das fontes de interpretação da lei processual) ao Código de Processo Penal, optou pelo sistema do inquérito como ato de polícia judiciária e, pela extensão territorial, não adotou o juizado de instrução.
Na Espanha, como um dos juízes de instrução, coube a Garzón a abertura de um procedimento investigatório sobre os 114 mil desaparecidos durante a Guerra Civil Espanhola e os primeiros 12 anos da ditadura do general Franco.
Garzón conseguiu identificar, em 20 províncias espanholas, fossas coletivas onde eram sepultadas as vítimas da resistência ao terror franquista.
A Procuradoria Nacional da Justiça da Espanha, de forma igual à canhestra posição da nossa Advocacia Geral da União, entende ser legítima e constitucional a Lei de Anistia espanhola, que é de 1979 e sancionada três anos depois da morte de Franco.
Para Baltasar Garzón – com todo acerto –, os crimes contra a humanidade não prescrevem e não podem ser anistiados. Frise-se: a posição de Garzón, que encontra apoio no direito natural positivista e nas convenções e tratados internacionais, é diversa do brasileiro Antonio Carlos Tóffoli, advogado geral da União.
Quando a Procuradoria Nacional cogitou de levar a discussão da Lei de Anistia para a chamada Sala Penal das Audiências de Interesse Nacional e isto para arquivar o procedimento aberto por Gazón e afstá-lo de qualquer investigação sobre matéria alcançada pela Lei de Anistia espanhola, Garzón deu um toque de mestre.
Com efeito. Garzón concluiu um relatório sobre suas apurações. O relatório Garzón tem 152 páginas e revela, pelo território espanhol, os locais onde estão 20 “fossas coletivas” com corpos das vítimas. Além do relatório, ele constituiu uma comissão de peritos para iniciarem os trabalhos de exumações e identificações dos corpos.
Como Garzón percebeu que poderia ocorrer arquivamento do procedimento que tocava e o conseqüente afastamento seu do caso, adotou três medidas que a supracitada Sala Penal de Audiência Nacional não poderá cassar. Ou melhor, Garzón esvaziou a decisão da Sala Penal de Audiência Nacional.
A primeira medida foi encaminhar ao governo Zapatero, para prosseguimento em sede administrativa e não mais Judiciária, dos trabalhos da Comissão de Peritos. Trabalhos, ressalte-se mais uma vez, voltados à exumação e identificação dos corpos enterrados nos 20 sítios identificados. E isso a ministra da Justiça de Zapatero irá realizar, pois o governo tem compromisso de resgatar a memória histórica da Espanha.
A segunda deliberação de Garzón foi a de desmembrar o procedimento de apuração, enviando para as autoridades das 20 províncias onde se encontram as fossas com os desaparecidos. Cada província tem autonomia administrativa para prosseguir nas apurações.
Como última deliberação, e já com tudo encaminhado, Garzón renunciou a prosseguir no caso, para evitar o seu afastamento.
Neste final de semana, Garzón recebeu apoio de vários intelectuais e artistas de importância no cenário internacional, que assinarão um manifesto a ser lido no início da próxima semana. Dentre os intelectuais e artistas assinarão o manifesto José Saramago, Ernesto Sábato, Jose Luis Sampedro, Juan Goytisolo, etc.
PANO RÁPIDO. Com essa supracitada atitude, Garzón demonstrou que não busca, como foi acusado, promoção pessoal, mas o resgate à verdade histórica e o compromisso de defesa com os direitos do ser humano. (Por Wálter Fanganiello Maierovitch)
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