sexta-feira, 14 de junho de 2013

Sobre os protestos dos estudantes

A justiça da polícia brasileira
Um passo a frente - por Dafne Sampaio (Yahoo!)

Não é de hoje, e não é exclusividade de São Paulo, que os carros são os mais privilegiados pelo poder público (ah, tem as empreiteiras também, mas essa é outra história). O governo federal baixa IPI para aquecer o mercado de automóveis, o estadual manda a PM proteger o trânsito deles e desce a bordoada em qualquer um que se opuser, e o municipal aumenta a tarifa do transporte público que deveria ser uma das soluções para tantos carros na rua.

Criado oficialmente em Porto Alegre no ano de 2005, o Movimento Passe Livre (MPL) se define como “movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente, que luta por um transporte público de verdade, gratuito para o conjunto da população e fora da iniciativa privada”. Suas manifestações já conseguiram redução de preços dos ônibus em Florianópolis e Salvador e sua atuação nacional já se espalhou pelas maiores capitais do país.

Nos últimos anos, São Paulo foi palco de vários atos do MPL e recentemente, quando a passagem de ônibus passou de R$ 3 para R$ 3,20, a cidade foi tomada por novas manifestações. Na quinta, 6 de junho, as avenidas 23 de Maio, 9 de Julho e Paulista foram fechadas, houve confronto com a polícia, depredações e o escambau (ver cobertura no site da Vice). Já havia outra manifestação marcada para o dia 11 de junho na Praça do Ciclista, mas o caos da quinta pediu outra em caráter de urgência que aconteceu ontem no Largo da Batata.

Nos dois casos, a cobertura da grande imprensa (principalmente a televisiva, sempre mais conservadora) bateu nas teclas do “transtorno” e do “vandalismo”, mal ouvindo as reinvindicações sérias e muito válidas do MPL. Transtorno? Mas a cidade vive parada por causa dos carros e ontem, por exemplo, o congestionamento foi “normal” para uma sexta-feira na hora do rush (e olha que a Marginal Pinheiros foi lindamente parada durante cerca de 40 minutos pelo ato que reuniu 5 mil pessoas). Enfim, não é possível fazer qualquer tipo de manifestação numa cidade grande como São Paulo sem causar algum tipo de transtorno.

Vandalismo? Em qualquer lugar do mundo existem idiotas e não é um ou dois malucos que deslegitimam todo um movimento. Vi integrantes do MPL entregando panfletos para os carros parados pela marcha, também os vi conversando com policiais para explicar o ato. Houve até uma nota de esclarecimento do MPL sobre os incidentes da quinta. Fico me perguntando... Porque as TVs e jornais não falam da violência policial que gerou o tal “vandalismo”? Ontem o Major PM Klinger, responsável pela operação, disse que se a marcha voltasse para a Av. Faria Lima todo mundo iria tomar tiro. Nada de conversa, de diálogo, nada próximo. Ouvi isso da boca dele após a PM atirar gás e “bombas de efeito imoral”. E não tinha grande imprensa ali.

Ah, e porque os entrevistados de sempre são os motoristas de carros e não os usuários de transporte público, já que o assunto é esse? Talvez essa distância dos meios de comunicação dos anseios da população e sua constante subserviência ao poder seja uma das razões de sua atual irrelevância.

Se é possível ou não ter uma tarifa zero para toda a população é uma discussão que tem ser colocada e o MPL está fazendo seu papel. Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, disse ao Estadão que isso custaria R$ 6 bilhões e que isso seria muito difícil de ser custeado, mas que pretende conversar com a presidenta Dilma para aumentar o subsídio e diminuir o valor da passagem.

Porém, o mais importante de tudo isso é que são as manifestações da sociedade civil que colocam fogo nas mudanças. Se você reclama da educação no país, mas xinga quando os professores fazem greve por melhores qualidades de trabalho, você é um idiota. Se você reclama do transporte público, mas fica de mimimi com o trânsito criado pela manifestação, você é igualmente um idiota.

Não sei se o MPL vai conseguir a “tarifa zero”, mas lutas justas assim são importantes para todos pensarem a cidade que queremos.

PM quebra propositalmente vidro de viatura para incriminar os manifestantes

Protestar não restringe o direito de ir e vir. Aumentar a tarifa de ônibus, sim - por Leonardo Sakamoto (UOL)

Acompanhei os protestos contra o aumento na passagem de ônibus no município de São Paulo, ocorridos nesta quinta (6), e o confronto com a polícia militar. Conversei com gente que deles participou e está, até agora, com a lembrança do gás lacrimogênio.

Houve depredação de equipamentos públicos? Sim, você encontra minorias de idiotas em todos os lugares. Mas isso não invalida nem diminui a importância do ato, que chama a atenção a um aumento de R$ 3,00 para R$ 3,20. Ou seja, uma passagem, que já é cara, de um serviço público de transporte urbano ruim ficará mais cara ainda. Jovens revoltados foram às ruas. Queriam protestar, se fazerem ouvidos. O poder público dialogou com bombas de gás.

Autoridades e alguns veículos de comunicação não demoraram a chamá-los de vândalos. Repórteres, com os olhos arregalados do tamanho do mundo, demonstravam o pânico de quem nunca imaginaria que aquela massa disforme poderia fazer barricadas com sacos de lixo. Falou-se em “contenção”, comentaristas na TV em “imposição da ordem”. Pouco sobre um Estado que não está nem aí para quem (sobre)vive nas franjas da sociedade e depende de transporte público. Na internet, houve quem pediu para colocar esses miseráveis bandidos de volta para o lugar deles.

A Justiça despeja centenas de famílias humildes de um terreno em São Paulo (que procuravam uma casa) e os sem-teto é que são vândalos. Jovens de classe média alta criam bandos para espancar e matar e moradores de rua e dependentes químicos (que procuram simplesmente existir) é que são vândalos. Fazendeiros invadem terras indígenas no Mato Grosso do Sul e mandam bala para quem cruzar a cerca e os indígenas que moravam ali (e procuram ser eles mesmos) é que são vândalos. Vândalos somos todos que ainda nos importamos com isso. Pois a indignação nada mais é que vandalismo para quem está tão embutido no sistema a ponto de ignorar que ele não funciona a contento.

A força pública paulista, que usou spray de pimenta em quem participava de uma manifestação contra a tarifa de ônibus há dois anos, agora repele o protesto com agentes químicos. Você pode escolher: ou chora porque seu mês “encurtou” com a tungada do reajuste ou pela ardência da malagueta. O recado que se passa à sociedade é claro: reclamar é proibido. Votou, escolheu, agora fique quieto e espere a próxima eleição. Regra de três: se o poder público deixasse de usar tanto spray de pimenta contra a população, sobraria mais dinheiro para abaixar o preço do busão?

A cidade tem que melhorar sua política de subsídios para o transporte coletivo a fim de estimular seu uso em detrimento ao transporte individual. Se não garantirmos opções boas e acessíveis, não conseguiremos desarmar essa que é uma das piores bombas-relógio da maior cidade do país.

E não é só evitar que o preço da passagem suba, e sim garantir qualidade e conforto para trazer o público que não é usuário de transporte coletivo para ele (aos poucos, é claro, porque não tenho tanta esperança no senso de coletividade da classe média paulistana assim). Enquanto isso, encarecer o transporte individual a ponto de ser um mau negócio usar carro a todo o momento, destinando os recursos dessas taxas e afins à ampliação da rede pública.

Nunca na história deste país se produziu e se comprou tantos carros. Ótimo para quem está tendo acesso a bens de consumo pela primeira vez e para parte da economia, mas se não avaliarmos os impactos dessas ações, estaremos cavando nossa própria cova. Durante a crise econômica global, quando se aventou contrapartidas trabalhistas, sociais e ambientais às montadoras de automóveis que receberam benefícios de bilhões, chiaram as velhas e boas carpideiras do mercado, dando entrevistas às rádios pelo viva-voz de seus SUVs, bradando que o papel do Estado não é impor condições e criar entraves ao progresso. Por que, afinal de contas, todos nós sabemos que o papel do Estado é dar tiro em estudante para proteger a integridade do status quo.

Na lista de prioridades das coberturas de TV, congestionamentos ficam em primeiro plano. Colocam depoimentos de motoristas reclamando que perderam a hora para alguma coisa, xingando os “baderneiros”, mas não se escuta devidamente os manifestantes. Eles aparecem na tela para mostrar a causa do “drama” e desaparecem quando já serviram ao seu propósito.

Não estou defendendo que interditar vias públicas de grande circulação é a forma correta de protestar até porque “forma correta de protestar” é por si só uma contradição. Para algumas pessoas e grupos sociais é a saída encontrada para sair da invisibilidade. Ao contrário do que muitos pensam, ninguém faz greve porque quer ver multidões plantadas no aeroporto, chegando atrasadas no emprego ou perdendo o ano letivo, da mesma forma que ninguém protesta pelo prazer de ver outros se descabelarem no carro. ”Ah, mas o congestionamento afetou a vida de mais gente, por isso é a notícia mais importante.” O conceito de relevância jornalística se perde em justificativas como essa, desumanizando a situação, quando o motivo do protesto nem é devidamente citado.

Acreditamos que somos ocupantes provisórios da cidade em que vivemos. Os donos reais são os automóveis, é a eles que São Paulo pertence. Caso tivéssemos essa necessária sensação de sermos donos disso aqui, participaríamos realmente da vida da metrópole e das decisões dos seus rumos. O que restringe nosso direito de ir e vir não são protestos e sim o aumento na passagem de ônibus.

Pois, em São Paulo, quem tem dindim é livre. Quem não tem, vive pela metade.

Ao mesmo tempo, quem rompe a barreira do conformismo e protesta é criminalizado ou reduzido a um mero causador de congestionamentos. Para esses insurgentes, que não entendem que a cidade é um organismo autônomo que lhes presta um favor por deixarem nela viver, só gás nos olhos resolve.


Protestar no Facebook não adianta. Tem que fechar avenida - por Lino Bocchini (CartaCapital)

Para algo acontecer tem que incomodar. E isso é, sim, coisa de gente civilizada. O dinheiro pressiona de um lado, as ruas têm que pressionar de outro.

Na última quinta-feira, protestos contra o aumento da passagem de ônibus e metrô (que em São Paulo subiram de R$ 3 para R$ 3,20) fecharam três das principais avenidas da cidade –Paulista, 23 de Maio e 9 de Julho. Natal, Goiânia, Porto Alegre e Rio de Janeiro também tiveram manifestações, porém, de menores proporções.

Na capital paulista o ato foi chamado pelo Movimento Passe Livre, que defende a tarifa zero no transporte público e há anos faz uma série de manifestações de rua quando a tarifa aumenta. Apesar da convocação “oficial” do MPL, participaram também militantes de outros movimentos e de partidos de esquerda como o Psol e o PSTU, além de gente sem filiação ou militância fixa. Houve alguma depredação: lixeiras viradas, cabine de polícia tombada, foram quebrados vidros de bancas, ônibus e metrô, além de sacos de lixo incendiados no meio da rua. Boa parte da mídia e a maioria das manifestações na internet deslegitimaram o protesto por conta disso. Para eles, seria um vandalismo injustificável. Para outros tantos, é igualmente inaceitável que o trânsito seja fechado, pela manifestação que for. Não concordo com nenhum dos dois argumentos.

Primeiro, esses mesmos que condenam os jovens que foram às ruas vivem bradando que a população não pode assistir impune à corrupção e demais problemas dos governos. A turma que grita “Acorda Brasil!” e outras palavras de ordem na rede vive pedindo reação popular. “Ah, mas tem formas mais civilizadas de se fazer isso, pela internet, escrevendo aos políticos, fazendo abaixo-assinados etc”.

Ã-hã. O que te parece mais eficiente? Lotar a caixa de e-mail de um assessor de quinto escalão ou fechar uma avenida num horário de pico? E desde quando grupo ou evento de Facebook muda alguma coisa? Aliás, o tal abaixo-assinado com sei lá quantas mil assinaturas contra o Renan Calheiros na presidência do Senado deu no quê mesmo? Redes sociais como o Facebook são excelentes para a troca de informação, para conectar pessoas que pensam de forma semelhante, para ajudar na organização. Mas, se a grita não sair da internet e for pra rua, de nada adianta. Nadinha.

Paris em chamas, sinal de civilidade

Paris teve protestos violentíssimos em suas periferias em 2005. Após a morte de dois africanos pela polícia no subúrbio de Seine-Saint-Denis, seguiram-se 19 dias e noites de protestos e depredação. Quase 9 mil carros foram queimados e os prejuízos, segundo estimativas conservadoras, foram de 200 milhões de dólares. Alguém acha que a Paris ficou um lugar mais inseguro, selvagem ou menos civilizado após isso? Tornou-se um destino menos atraente para as próximas férias?

E é bem melhor que seja assim, com protesto. E protesto, via de regra, não tem regra. E convenhamos: mesmo com vidros quebrados, lixeiras viradas e centenas de homens da Tropa de Choque na rua, nesta quinta-feira em São Paulo, ninguém saiu gravemente ferido --neste artigo nem vou entrar na questão da atuação da polícia, tema que por si só merecia outro artigo.

Na Europa ou mesmo em vizinhos como Argentina e Chile, países em que a população, na média, estudou por mais tempo, lê mais livros e vai mais ao teatro ao cinema do que no Brasil, as pessoas reclamam mais e vão mais às ruas. E, sim, em muitos casos há depredação.

E que sorte a deles que seja assim. O dinheiro pressiona do lado, as ruas têm que pressionar de outro. Por conta de tais protestos, seguramente Alckmin e Haddad –ou qualquer outro governante sob tal pressão-- vão se esforçar mais para evitar um novo aumento de tarifa ou, ao menos, para que eles seja o menor possível. Imagine se fosse apenas o mercado sozinho que regulasse tudo, que decidisse quando e quanto os preços aumentam, sem pressão social contundente alguma? Aí sim seria o caos.

Por fim, o trânsito, o sagrado trânsito nosso de cada dia... o motorista paulistano (e o carioca, o goiano, o pernambucano, o manauara) não aceita que você encoste no carro deles. Buzinam como loucos meio segundo depois do farol abrir, com pressa pra tirar não apenas a mãe, mas também o pai, o avô e o cachorro da forca. Sinto muito. Na verdade, sendo sincero, não sinto nada, vamos lá: protestar e fechar o trânsito é, sim, legítimo. Até  alguns sacos de lixo queimados está, de certa forma, dentro das regras do jogo. Passa anos-luz de ser o crime hediondo no tribunal tosco das redes sociais.

Chega a ser cômico reclamar que o trânsito não anda por causa de um protesto. E nos demais dias do ano? Aí anda? E como resolver isso? Xingando no Facebook os moleques que protestam ou se aliando a eles, indo às ruas protestar, entre outras coisas, por um transporte público melhor e mais barato? Fico com a segunda opção.

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