A crítica que sempre surge à esquerda do PT, desde os tempos de Lula, é a falta de combatividade. Quando vejo o panorama atual do nosso país, lembro de um filme chileno extraordinário, chamado "Machuca", que retrata o ambiente pré-golpe de 1973.
O filme conta a história de dois amigos de classes sociais completamente distintas. Sob a visão teoricamente imparcial dos protagonistas, diversos eventos históricos são retratados: as grandes passeatas de apoiadores e detratores de Allende, os caças do exército chegando em Santiago no dia 11 de setembro, o abismo social existente na sociedade chilena e a violência que o Estado autoritário devotou à classe pobre e aos apoiadores de Allende após o golpe.
Os dois protagonistas ainda eram jovens demais para tomar partido ou fazer uma análise arguta da política chilena, mas, ao se tornarem testemunha ocular dos conflitos sociais que grassavam pelas ruas de Santiago, se deixou claro o conflito de classes existente entre as turmas pró e contra Allende.
Este, Allende, uma figura extraordinária, pretendia estabelecer o socialismo por vias democráticas, estatizando diversas empresas e colocando o Estado chileno a serviço da população amplamente marginalizada. Não demorou muito para conquistar verdadeira adoração desta população, que saía em peso às ruas para defender este modelo.
De outro lado, a elite velha de guerra e uma classe média adormentada e receosa de perder status social, nada muito diferente do que vemos no Brasil. Madames a la Cansei, nacionalistas que beiravam o fascismo, e o boicote em massa vindo dos empresários ao projeto de esquerda, uma concretização muito fiel dos "800 mil empresários deixando o Brasil" caso Lula vencesse em 1989.
O que torna o PT insuficiente para promover as verdadeiras mudanças que o nosso país precisa é o seu caráter conciliador imprimido por Lula e levado às últimas consequências por Dilma. Só aqui é motivo de orgulho um governante afirmar que nunca na história os bancos ganharam tanto.
Isto porque o conflito existente entre esquerda e direita não é só ideológico, mas de classe. Sempre foi, sempre será. A direita que derrubou Jango é a mesma que hoje trava todo e qualquer tipo de reforma.
E quem pensar que esta luta é só da elite, corre o risco de estar redondamente enganado. A nossa classe média também não deseja mudanças. Isto porque mesmo a classe média consegue usufruir um pouco da nossa estrutura de sociedade escravocrata.
Ou é comum numa sociedade igualitária, como se observa na Holanda, ou Suécia, um indivíduo classe média ter empregada doméstica, babá, cozinheira e jardineiro? Não é, por isso a ojeriza quanto às políticas redistributivas praticadas sob Lula e mais recentemente a ampliação dos direitos trabalhistas de empregados domésticos.
Não só a elite, mas a classe média também nunca vai aceitar que um médico, ou engenheiro, ou juiz, ganhe só duas, ou 3 vezes mais que um porteiro ou garçom, e no final de semana frequente os mesmos lugares que eles, como ocorre nas nações menos desiguais do planeta.
Por isso que dá calafrios quando leio que o PT quer transformar tanto o partido quanto o país em classe média. Que classe média, cara-pálida? A classe média que ganha menos de dois salários mínimos, e que o Ipea arbitrariamente estabelece como "nova", ou a que em conjunto com a elite tem um rancor intestino ao PT e não quer nem ouvir falar em distribuição de renda?
Pra pegar todos os desvalidos e marginalizados deste país, do Oiapoque a Chuí, e colocá-los em pé de igualdade com a classe média "cheirosa" de Castanhede, é preciso muito mais do que este discurso carcomido da gestão eficiente.
Certas nações tornaram-se mais igualitárias na base da pancadaria, da luta intestina entre classes, das revoluções... por que então nossa esquerda pensa que o progresso estará na conciliação entre pobres e risco? Isto não existe... Ainda mais tendo uma elite de DNA escravocrata como a nossa.
Só verificar o que Chavez fez para distribuir mais renda do que aqui. Se dirigiu diretamente pro povão, chamou todos para ocupar as ruas, politizou o debate, deixou complemente nus os meios de comunicação hegemônicos, e foi aos trancos e barrancos aprofundando o seu modelo.
Faltou em Lula coragem e postura de estadista para colocar as reformas que o Brasil precisa debaixo do braço, viajar o Brasil inteiro se comunicando com a população mais pobre, ensinando a população a se armar (não com armas de fogo, mas politicamente), a se politizar e sair às ruas, a exemplo do que vemos hoje na Venezuela pós-Chavez.
Pelo contrário, Lula hoje viaja sim, pelo mundo, mas patrocinado pelas grandes construtoras, que por sua vez são grandes financiadores de campanhas eleitorais..
Então, ao mesmo tempo em que o cenário é de terra arrasada, essa rapaziada do MPL deu novo fôlego aos que resistem em enxergar além desta hipócrita 'política do possível' praticada por partidos de todas as matrizes ideológicas, que no fundo esconde o perverso caráter conservador das estruturas seculares de nossa sociedade.
Pra finalizar o texto, meio cedo pra fazer um prognóstico, mas é preciso lançar um olhar mais otimista sobre o novo cenário. É preciso manter a efervescência deste processo, fomentar a discussão, para que ele espraie para todos os cantos da sociedade, chegando a quem mais precisa, qual seja, a imensa população pobre e marginalizada do nosso país.
Apesar de grande parte da esquerda idealista pertencer à classe média, é improdutivo contar com o apoio dela, como classe organizada, para pressionar os governantes a realizar as reformas que este país precisa. Nesse contexto, parece que só a imensa população mais pobre deste país tem o poder de mudar alguma coisa.
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