Cansei do Leblon: "the book is on the table" |
As manifestações de rua de junho começaram com uma pauta popular: reduzir tarifas. E ela foi vitoriosa. PT e Haddad, PSDB e Alckmin, PMDB e Cabral: as lideranças políticas do país ficaram desnorteadas. Num segundo momento, sim, os conservadores tentaram capturar as manifestações, pautando outros temas. Esses setores – de classe média – são os mesmos que em 2006 empunhavam cartazes com a mão de 4 dedos (brincavam, de forma ofensiva, com o defeito físico de Lula) dizendo que o operário não teria mais quatro anos na reeleição, e que era hora de “acabar com essa raça”. Em 2007, essa mesma turma tentou colar em Lula a culpa pela queda do avião da TAM… Em 2009/2010, vieram mensagens sobre a “Dilma terrorista”, a ficha falsa na Folha, a “Dilma aborteira”, o terrorismo psicológico às vésperas da eleição.
E os ataques não eram só aos líderes petistas. O conservadorismo atacou durante anos: o “bolsa-vagabundo”, as “quotas pra incompetentes”, os “nordestinos que estragam o Brasil”… E mais recentemente, encampou o ataque aos direitos LGBT.
Portanto, o conservadorismo não surgiu agora. Ele estava, desde 2010, dormindo no fundo da lagoa. O monstro, que já emergira com Feliciano, botou todo o corpo pra fora dágua e arreganhou os dentes.
O DataFolha mostrou que o perfil dos manifestantes em São Paulo é de 80% de pessoas com ensino superior. Ou seja, o povão não foi às ruas. Há, no entanto, algo a se registrar: primeiro que a imensa maioria não era de fascistas, ainda que muitos parecessem propensos a aceitar palavras de ordem conservadoras; segundo, havia nas ruas muitos jovens da tal “Classe C”. Não eram maioria, mas estavam lá. E aderiram em massa às palavras de ordem puxadas pela classe média conservadora: “povo unido não precisa de partido”. Essa palavra de ordem parece fascista. Mas não eram só os brucutus fascistas que a entoavam. Há muita insatisfação com os partidos. E quem tentar fechar os olhos a isso cometerá grave erro.
Em resumo, poderíamos dizer: o trabalhador que melhorou um pouco de vida nos anos Lula/Dilma não foi às ruas até agora. Mas o filho dele foi.
A impressão (é só isso mesmo, uma impressão) é de que esse movimento não incendiou (todo) o país, nem ganhou (ainda) os setores populares. A disputa está por ser travada.
Passeei o fim-de-semana no Rio. No sábado, andei pela região da Barra da Tijuca. Imaginei que poderia haver muitas faixas nas janelas dos prédios daquela região – que reúne classe média conservadora e também setores ascendentes vindos da zona oeste. Nada disso. As ruas estavam em silêncio. Nos restaurantes e padarias, a turma queria era ver o jogo do Brasil. Domingo, participei de uma corrida de rua, no Recreio dos Bandeirantes. O público era de classe média. Havia uma multidão de corredores. Na largada, nenhuma faixa, nenhum cartaz. E as conversas eram sobre os gols de Fred ou a falha do Buffon na cobrança de falta pelo Neymar. Um ou outro comentava os ataques da “bandidagem” a lojas na Barra, na sexta-feira. E só.
Na tarde de domingo, passei rapidamente pelo Leblon. Aí, sim, havia manifestação. E o perfil era o das velhas passeatas do Cansei. Classe média, branca, e cartazes curiosos. Um deles: “país rico é país liberal”. Outro: “Petrobras belongs to the people. Here, it is not Venezuela” (assim mesmo, em inglês). Havia também mensagens em alemão… O que me deu certo arrepio. Mas talvez seja preconceito antigermânico de minha parte…
No Rio, percebo que o “medo” geral não é de um avanço da direita… Mas dos traficantes que estariam baixando dos morros pra “tocar o terror” no asfalto.
Ao mesmo tempo, movimentos sociais populares começam a ser organizar, para disputar a pauta, pela esquerda. Houve várias reuniões na periferia de São Paulo. O Movimento Passe Livre deve concentrar seus atos na periferia.
Acredito que nos próximos dias a tendência seja a seguinte:
- certo refluxo nas manifestações puxadas pela classe média, que ainda assim contará com a velha mídia para pautar PEC 37 e combate à corrupção como temas centrais (essa agenda interessa àqueles que pretendem lançar Joaquim Barbosa à presidência);
- movimentos sociais e organizações populares vão aprofundar a mobilização pela esquerda, com ou sem apoio do PT e do governo (como concluiu Safatle, em artigo brilhante, o combate agora se trava nas ruas, e será longo).
Ainda assim, não creio num clima de “conflagração” aberta. Dilma fez um discurso de moderação na sexta: tentativa de conquistar a “maioria silenciosa”. Ao contrário de outros países latino-americanos, o governo brasileiro não adota a tática do confronto. Ao contrário, emite sinais de contemporização, inclusive com a velha mídia. O que foi a entrevista de Paulo Bernardo à Veja, se não isso? Dilma, através do oportunista ministro, parece ter mandado recado à velha mídia: “há espaço pra vocês no acordo que tentarei costurar para pacificar as ruas”.
Que pacificação é essa? Quem vai dominar a coalizão que pode surgir daí?
O governo Dilma não percebe , mas parte da esquerda não tem mais motivos para defendê-lo. Isso pode se aprofundar até 2014. A questão para os movimentos populares agora será defender não o governo, mas a Democracia, fazendo avançar a pauta de esquerda. Com ou sem PT.
Uma nova esquerda vai brotar, por fora do PT, se o partido seguir adiando indefinidamente a decisão de elaborar uma nova pauta, pela esquerda. Mais adiante (2014, ou 2018) o partido pode ser atropelado: pela direita e pela esquerda.
Por hora acho que há espaço para Dilma e esse PT pragmático manobrarem, contando com a maioria silenciosa que não quer botar fogo no país. Mas isso apenas adia o momento da definição. Não cabe todo mundo mais na grande coalizão lulista.
A manifestante do “Cansei do Leblon” parece ter acertado. Ainda que por vias tortas. De fato, aqui não é a Venezuela. Para o bem e para o mal, essa não é a terra dos confrontos abertos. Mas eles não podem ser adiados pra sempre. Dia desses, quem sabe, acordamos cedo e descobrimos que São Paulo ou o Rio (ou BH, ou Salvador, ou Brasília) viraram Caracas.
Um comentário:
Interessante o texto.
Postar um comentário