“Nenhuma organização midiática carece de um conjunto de conteúdos para demarcar a agenda (que está ligada a seu país de origem)...nem a BBC, nem a CNN prejudicariam os interesses nacionais” da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, respectivamente, afirmou Liu Chi, editora-chefe da CCTV, a televisão estatal da China, que destinou 8,5 bilhões de dólares para a expansão de seu sistema de informações destinado especialmente ao público ocidental.
A tese de Liu Chi, sobre o vínculo umbilical entre grandes meios de comunicação, de projeção global, e seus interesses nacionais, é perfeitamente aplicável ao influente, mas já não tão infalível New York Times (que teve a credibilidade arranhada após seu alinhamento patriótico com George W. Bush, na Guerra do Golfo), ao The Wall Street Journal, ao Financial Times e também a essa velha dama de ferro do jornalismo, The Economist, que retornou ao centro da agenda noticiosa brasileira com seus disparos dirigidos contra o ministro Guido Mantega.
Ainda que antiga, a revista que este ano celebra seu 170º aniversário, não perdeu o ímpeto e segue pressionando de modo um tanto imperial as potências emergentes, aqueles países que, em sua opinião, precisam receber lições sobre como superar a idade da barbárie econômica (leia-se: populismo, desenvolvimentismo, nacionalismo, intervencionismo, esquerdismo, distribucionismo) para chegar a um estado civilizatório superior: o do livre mercado absoluto.
Por sua fé neoliberal (ou liberal, simplesmente), The Economist às vezes evoca aquela Margaret Thatcher enlouquecida na “missão” de impor seu modelo e os interesses representados pelo Partido Conservador, em uma cruzada tão exitosa que acabou por deglutir o ideário econômico dos outrora reformistas quadros do Partido Trabalhista, degradados na figura de Tony Blair ao triste papel de mensageiros do decálogo neoliberal.
A falecida primeira ministra Thatcher, provinciana e pouco erudita, aplicou na Grã Bretanha a política mais regressiva desde o pós-guerra por meio de reformas (melhor seria chamá-las de contrarreformas) legislativas e uma repressão pinochetista contra os mineiros que tentaram, em vão, impor algum freio a sua agenda em defesa de um Estado mínimo.
Bem escrita, cuidadosa nos adjetivos que usa, editada com maestria, refinada, mordaz e, sobretudo, anglo-saxã: The Economist é um produto de qualidade, muito distinto do às vezes vetusto The Wall Street Journal.
Mas essa fleuma não impede que The Economist seja um órgão ideológico e um instrumento político com seu programa e seus objetivos, como qualquer meio de comunicação de porte global. Seu compromisso é impor sua agenda radical no debate econômico e aniquilar todo vestígio do que considera ser populismo estatista.
Seu último capricho, que põe a prova sua capacidade de pressão, parece ser querer derrubar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em quem detecta um vestígio do pensamento e da ação econômica que julga uma “herança do atraso”: o risco de regressar a uma era pré-thatcherista.
Um editor e o colunista de economia do Jornal das Dez, da Globo News, concederam amplo destaque às recomendações escritas por The Economist em sua última edição, na qual, com um senso de humor impregnado de desprezo, disse que não recomendará mais a queda de Mantega, sabendo que a presidenta Dilma Rousseff rechaça imposições, como ela mesmo afirmou na cúpula do BRICS realizada na África do Sul, frente a primeira investida da publicação londrina.
Que o braço televisivo das empresas de entretenimento e desinformação da Globo assuma como suas as provocações da The Economist é um fato repetido que não merece nenhum comentário novo. O que merece uma menção é o reiterado uso, por parte de seus jornalistas, do adjetivo “prestigiosa”.
Como já foi assinalado acima não está em discussão a qualidade dos textos, nem o rigor da informação publicada pelo semanário, mas seu principal traço, muito mais que o prestígio, é sua influência, e esta é filha da repercussão propagandística de seus ataques políticos na forma de artigos jornalísticos.
O que a política econômica personalizada em Mantega ameaça, para publicações como The Economist, Financial Times, The Wall Street Journal e para agências de risco como a Standard and Poors, não são ideias, mas sim a disputa do capital transnacional para ficar com a maior parte dos excedentes da sétima economia mundial.
Quando as multinacionais da informação, que elevam a The Economist à condição de bíblia, demandam “confiabilidade” e “segurança jurídica”, na verdade estão utilizando um eufemismo para chantagear governos periféricos para que renunciem a toda soberania econômica e eliminem todo tipo de regulações. O modelo a ser imitado é o Chile e, mais recentemente, a Aliança para o Pacífico.
Dessa forma, inventa-se uma espécie de Pensamento Único Econômico, um consenso imposto a força, que não é filho da liberdade de expressão ou do pluralismo, mas sim da imposição e dos ataques aos interesses nacionais de países do sul.
Está certo Mantega quando assinala que “The Economist aposta em uma política conservadora...porque critica as políticas de estímulo (à produção e ao consumo), que é uma política que dá resultados, como deram, por exemplo, em 2008”. Na contramão do grosso dos economistas, Mantega, não fugiu da polêmica com a publicação britânica, identificando-a como um órgão alinhado com a direita europeia.
A revista, disparou o ministro brasileiro, “deve ter a mesma opinião que o governo de seu país (Grã-Bretanha) e dos estados europeus em geral (cujas políticas econômicas) que tiveram um resultado o qual não preciso mencionar”. Como era de se esperar, as afirmações de Mantega não mereceram nenhuma repercussão nos veículos de imprensa dominantes em nível global, associados em sua maioria ao credo e aos interesses encarnados pela The Economist.
(*) Correspondente, Doutor em Comunicação e Mestre em Relações Internacionais (@DarioPignotti).
Nenhum comentário:
Postar um comentário