As manifestações recentes apresentam um cenário, até certo ponto, inédito no Brasil. Se até um passado recente, o poder executivo era majoritariamente liderado pelos partidos de direita, hoje o poder está mais distribuído. O governo baiano, gaúcho e do distrito federal são petistas. O PSDB mantém os governos de Minas, São Paulo, Goiás, Paraná. Já o movediço PMDB dirige o Estado do Rio de Janeiro. Em todos esses estados tivemos manifestações. Em todos esses Estados tivemos uma dura repressão da polícia. O que fica claro é que nem os partidos de direita nem os de esquerda sabem lidar com protestos. Ainda mais quando esses protestos não são organizados e dirigidos por movimentos sociais, organizações sindicais devidamente estabelecidos e com lideranças conhecidas. A nova cara das manifestações caracteriza-se justamente na ausência de uma cara. É a horizontalidade de sua organização sua principal característica. Bom ou ruim essa é a realidade. E a ausência de compromissos com o poder, com o jogo partidário ou mes
mo com as próximas eleições é um desafio completamente novo para nossa elite política. E é esse o tempero que mobiliza cada vez mais manifestante e o torna ainda mais magnífico, mais libertador e mais atraente.
São muitas as vozes descontentes no país. Afinal são muitos os motivos. Essa anarquia, entretanto, também traz seus riscos. Quando todos os descontentes saem às ruas e cada um de seus ativistas leva consigo a sua própria bandeira, o movimento corre sério risco de se perder.
Tenho visto na Internet as mais variadas manifestações. Até quinta-feira, parte considerável da mídia, muitos dos meus amigos reacionários e outros órfãos da TFP defendiam o fim daquilo que chamaram de baderna. Bradavam pelo direito de ir e vir e defendiam maior energia e intolerância das autoridades e seus aparatos policiais. Os editoriais da Folha e do Estadão foram a senha para que o Governador autorizasse a polícia a descer o cacete nos manifestantes.
O problema é que hoje a Internet, mais especificamente, as redes sociais permitiram que grande parte da população tivesse acesso ao outro lado da notícia. A violência desproporcional e sem precedentes da polícia foram escancaradas. A tal depredação do patrimônio público virou motivo de chacota depois que flagrou-se policiais quebrando a própria viatura e prendendo “terroristas” que portavam vinagre. Diante dos fatos, não há argumentos e os reacionários de plantão perderam a mais importante das batalhas. A batalha da comunicação. As imagens deram legitimidade à manifestação. O movimento ampliou sua capacidade de conquistar novos corações.
Mas os reacionários não estão derrotados ainda. Com sua força repressora desmoralizada, eles estão se reorganizando em outro front. Partiram agora para a dispersão das bandeiras. E alerto que esse é muito mais perigoso para o movimento. Navegando pelas redes sociais tenho visto diversos vídeos, textos, cartazes conclamando para a manifestação. Dizem que não se trata de 20 centavos, não se trata se quer de um transporte coletivo gratuito. A bandeira agora é dizer que o aumento é só a última gota. Defendem que os manifestantes, na realidade, não toleram mais “bolsa isso, bolsa aquilo”, são contra os mensaleiros, contra a política fiscal do governo, contra os “tentáculos do governo nas empresas estatais”, contra os impostos, contra a inflação, etc. Trata-se de um claro objetivo de capitalizar o movimento para as bandeiras da direita reacionária desse país.
O libertário movimento deve deixar claro. O aumento de 20 centavos é sim a última gota. Mas nosso “copo” está cheio é de um modelo econômico que não democratiza as oportunidades, que não democratiza a terra, que não democratiza a educação, que não democratiza a sociedade. Deve deixar claro que o direito de ir e vir passa obrigatoriamente pela gratuidade do transporte coletivo e que este deve ser pago por aqueles que dele se beneficiam (ou seja, todo cidadão) e não pelos seus usuários. Somos contra a corrupção, mas não somos idiotas. A corrupção está entranhada em toda a sociedade. Não suportamos mais a corrupção policial, os “jeitinhos” para liberações de alvarás de grandes edifícios e shopping centers, não suportamos mais “um por fora” para acelerar processos na justiça, não suportamos mais concessões e privatizações que não trazem efetivo retorno para os mais pobres, não suportamos mais uma saúde e uma educação dirigida por um sistema que visa o lucro, não suportamos mais um modelo de eleições determinado pelo grande capital. O Brasil mudou e quer continuar mudando. Não queremos a volta da recessão, do desemprego, das privatizações escandalosas, da subserviência ao FMI e seu modelo de Estado Mínimo.
Queremos um estado que nos dê oportunidade de vencer, uma polícia que nos proteja e uma sociedade que nos respeite. Somos todos brasileiros e tudo que queremos é caminharmos juntos para um futuro mais justo, mais livre e mais igual.
O maior patrimônio de um país é o direito de seus cidadãos gritarem por um país melhor. Esse patrimônio que queremos resgatar. Essa é a nossa bandeira.
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