Os embates entre o Procurador Geral da República Roberto Gurgel e a subprocuradora Deborah Duprat são o desfecho das distorções que acometem o instituto da Procuradoria Geral e o próprio Ministério Público Federal nos últimos anos.
Não há comparação - em termos de respeitabilidade jurídica - entre Deborah e Gurgel. Deborah é uma pensadora; Gurgel, um burocrata. Como não há entre os antecessores - Antonio Fernando de Souza e Cláudio Fontelles - e o próprio Gurgel.
Este se fez dentro da burocracia do Ministério Público Federal, atuando politicamente e conquistando apoios muito mais pela capacidade interna de compor interesses e espalhar simpatia do que efetivamente pela preocupação da classe dos procuradores com a representação máxima do MPF.
Em suas tertúlias políticas, por várias vezes Gurgel externou o incômodo com as eleições majoritárias, com a legitimação do voto. Talvez ele seja a prova mais evidente do mal das eleições diretas para órgãos públicos - MPF ou universidades. Nas eleições, os procuradores votaram no "bom companheiro", como acontece em qualquer casa legislativa.
Os maiores avanços efetivos do MPF no campo dos direitos das minorias ocorreram no curto período de 30 dias, nos quais Deborah chacoalhou o Supremo com as teses libertárias, antes embargadas por Gurgel, e o então advogado Luiz Roberto Barroso iluminou o julgamento com suas considerações.
O poder do PGR
Qual o poder originário, que permite que as ideias tacanhas de Gurgel se imponham sobre as propostas responsáveis de Deborah? O mandato que recebeu do Presidente da República.
Gurgel politizou, partidarizou o MPF, passou a atuar politicamente ao lado de outros militantes, como Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, tendo como única fonte de legitimação, o mandato que recebeu dos poderes Executivo e Legislativo. É uma típica piada brasileira.
Em países juridicamente mais avançados, não é ruim a subordinação do PGR ao Presidente da República. É o modelo norte-americano. Ao subordinar o Procurador Geral ao Presidente da República - que pode nomear ou demitir a qualquer momento -, o que se pretendeu foi impedir que o Ministério Público pudesse ser apropriado por partidos políticos, comportando-se como tal e atuando para torpedear o Executivo sem ter recebido mandato popular.
Embora todo seu poder derive do Executivo, Gurgel passou a se comportar como o imperador absoluto. Valeu-se da parceria com os cinco do STF para atuar contra o Executivo; e o mandato que recebeu do Executivo para atuar contra seus colegas.
Comprometeu o MPF junto a enormes setores da opinião pública brasileira, prejudicou uma imagem constituída pelo trabalho sério de centenas de procuradores.
Mas a organização fechou-se em copas, calando-se ante seus esbirros.
Comportou-se burocraticamente blindando seu chefe contra o "inimigo externo", como se a fonte de poder de Gurgel residisse no apoio dos colegas ao "bom companheiro". E não da decisão monocrática do Presidente da República.
O acerto de contas
Daqui a alguns meses acaba a era Gurgel.
Mas ele deixa não apenas um Ministério Público sitiado por inimigos, como dúvidas consistentes sobre a capacidade do órgão de se auto-regular. Paradoxalmente, o que legitima o combate à PEC 37 - daqueles que pretendem calar o MP - é a defesa do MP pelos juristas, advogados e jornalistas que não tiveram receio de denunciar os absurdos cometidos por Gurgel. Mas, dentre eles, nenhuma voz se levantou no MPF - a não ser a de Deborah, agora, nos estertores do mandato de Gurgel. Foi tratado com apoio ostensivo ou silêncio obsequioso dos procuradores, em relação às suas atitudes comprometedoras.
Como é possível uma organização que se pretende o último baluarte da cidadania, ter fechado os olhos ao fato do casal Gurgel passar a controlar todos os processos envolvendo políticos? Como foi possível que assessores tenham avalizado suas manobras suspeitas para excluir financiadores do "mensalão" da AP 470? E suas atitudes anti-jurídicas durante todo o julgamento?
A inamovibilidade do cargo concedeu um poder inédito - e legítimo - aos procuradores, contra interferências externas. Mas, depois dos abusos dos anos 90 - de procuradores avançando o sinal - o que se tem hoje em dia é uma organização pujante (para fora) e acomodada (para dentro), com os controles burocráticos impedindo o arejamento e o receio de comprometer a carreira calando vozes.
Gurgel sai e deixa uma herança pesada.
O MPF terá que demonstrar que é um corpo vivo, capaz de se auto-regular e de avançar nas conquistas da cidadania. E não apenas mais uma repartição pública com poderes ilimitados.
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