Esta é a década da redução da desigualdade de renda, com crescimento chinês para todos os brasileiros, não apenas para a classe C. A constatação é do economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, que acompanha de perto a redução da miséria no País. Apesar do avanço, ele está cético em relação ao futuro. “O Brasil está num momento mágico, que pode estar terminando com essa crise internacional.” A seguir os principais trechos da entrevista.
O sr. acha que o crescimento da classe C mudou a cara do País?
Sim. O fenômeno que mais me impressionou nesta década, mais que o crescimento da classe C, foi o crescimento chinês do poder de compra dos pobres. Ou seja: a redução da desigualdade de renda. Esta é a década da redução da desigualdade, da mesma forma que a década passada foi a da estabilização e a de 80, a da redemocratização.
Qual indicador mostra essa redução da pobreza?
De 2001 a 2006, os 10% mais pobres tiveram um ganho de renda 57,5% em termos reais acumulado per capita. O começo da classe C teve um ganho de 24,9% real nesse mesmo período. Alguém que está no topo, os 10% mais ricos, teve 6,8% de ganho real. Os números são nossos com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. Houve redução da desigualdade, mas com um ponto importante: crescimento para todos. Nos últimos dois anos (2005 e 2006), que pegam exatamente esse movimento de ascensão da classe C, a renda per capita real dos 10% mais pobres aumentou 26,6%. O acréscimo de quem está no meio da distribuição, onde está a classe C, foi de 20,2%. Os 10% mais ricos tiveram um aumento de 15,3% no período. Nos últimos dois anos, houve um crescimento chinês da renda para todos, inclusive para a classe C.
O sr. acha que esse crescimento da classe C se sustenta ou não?
A minha visão é de que o Brasil está num momento mágico, mas que pode estar terminando com essa crise internacional. Há essa dúvida em função da crise e esse começo de reação por parte do governo, que quer desaquecer o consumo. Por outro lado, uma parte do crescimento da classe C foi artificialmente impulsionado por algo que não é sustentável no longo prazo, que foi o aumento de rendas de pensões e aposentadorias. Uma parte importante dos emergentes da classe C são aposentados e pensionistas beneficiados pelo reajuste do mínimo. Além disso, eles contam com o crédito consignado. Essas transferências do Estado para o meio da pirâmide populacional, não para os mais pobres, não há como serem mantidas no longo prazo. Mas temos também fatores altamente positivos e sustentáveis na expansão da renda da classe C, como o aumento do emprego formal. No ano passado foram criados quase 1,7 milhão de postos de trabalho. Esse recorde continuou nos dois últimos meses. A carteira de trabalho talvez seja o maior símbolo do que é ser classe C no Brasil e isso tornou-se realidade para muitos. Talvez os fatores sustentáveis dominem. Acho que 2007 foi o ano de sustentabilidade. Neste ano, a economia está bastante aquecida. Mas há uma situação internacional que está virando. Não seria otimista em relação ao futuro da classe C, mas acho que os ganhos de renda foram muito bons. Para o futuro há mais interrogações do que certezas. Vários fatores que impulsionaram a classe C estão em xeque agora.
O que o Brasil precisa fazer, em termos de políticas públicas, para suportar o crescimento dessa classe C?
Uma medida de política pública importante, cujos resultados serão colhidos mais à frente, são os investimentos em educação. Um PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) educacional para gerar resultados mais rápidos. Outro ponto importante é o Estado não atrapalhar o empreendedorismo da classe C, que sonha ter um negócio próprio. Qual é política pública adequada para isso? É o Estado atuar de forma que retire os entraves e facilite a abertura e o fechamento de um negócio. Um coisa que eu fiquei bastante bem impressionado nesse processo é o microcrédito. Há um movimento de microcrédito para financiar o sonhos dos empreendedores que o Brasil começa a descobrir agora. Essa é uma política pública com elementos privados. É estrutural e não é paternalista. Os empreendedores investem, correm risco e quitam os financiamentos. Na prática, as pessoas querem elas próprias serem protagonistas de suas histórias
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