sábado, 29 de março de 2008

O silêncio e a calúnia - por Mino Carta

Pergunto aos leitores: em qual país democrático e civilizado a saída de um jornalista do peso de Paulo Henrique Amorim de um portal da importância do iG seria ignorada pelo resto da mídia? Na imprensa, a notícia só mereceu uma lacônica nota na Folha de S.Paulo, no vídeo o registro pela TV Senado de um discurso do senador Inácio Arruda, do PCdoB do Ceará, a lamentar o episódio e solidarizar-se com Amorim.

E o episódio não somente é muito grave, mas também altamente representativo da prepotência dos senhores, acobertados pelos seus sabujos midiáticos. O espetáculo da tartufaria não é surpreendente. Não cabe espanto, sequer um leve assomo de perplexidade. Tudo normal, na Terra brasilis, tão distante, tadinha, da contemporaneidade do mundo. Porque não há país democrático e civilizado onde o abrupto afastamento de um profissional tão honrado e competente quanto Amorim não teria repercussão na mídia, imediata e profunda.

Não faltaria a busca das razões que levaram o iG a agir de forma tão violenta, ao tirar Conversa Afiada do ar sem aviso prévio, ao lacrar o computador do jornalista e enxotar o pessoal da equipe da sede do portal. Bastaria este comportamento para justificar a repulsa da categoria em peso e a investigação dos interesses envolvidos, necessariamente graúdos.

Pelo contrário, ouviu-se clangoroso silêncio, quase a insinuar que, se a mídia não o noticia, o fato não aconteceu. Que diria Hannah Arendt ao verificar que no Brasil há cada vez menos “homens dispostos a dizer o que acontece e que acontece porque é”, de sorte a garantir “a sobrevivência humana”?

Pois o fato se deu, e não se exigem esforços mentais einsteinianos para entender que os donos do iG (Brasil Telecom, Fundos e Daniel Dantas) decidiram abandonar Amorim ao seu destino. Não é difícil também enxergar como pano de fundo o projeto de fundir Brasil Telecom com Oi, a ser executado com o apoio do BNDES, e portanto do governo federal, a configurar mais um clássico do capitalismo sem risco de marca tipicamente brasileira.

Ocorre-me comparar o mutismo atual diante de um fato tão chocante com a indignação midiática que, recentemente, submergiu a campanha de ações movidas em juízo por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra a jornalista Elvira Lobato, da Folha de S.Paulo, autora de reportagem sobre o êxito empresarial da Iurd. Não está claro até o momento se o Altíssimo acudiu o bispo Macedo e seus prosélitos, mas é certo que, se o fez, ou o fizer, terá de enfrentar a ira da mídia nativa.

Foi um coro de manifestações a favor da liberdade de expressão ameaçada, um rosário de editoriais candentes, de colunas vitriólicas, de comunicados de entidades representativas da categoria. A saber, Fenaj, ABI, ANJ, Abraji, sem contar a associação dos correspondentes estrangeiros (OPC). Ah, sim, a famosa liberdade de imprensa. A mídia verde-amarela não hesita em defendê-la, quando lhe convém. Permito-me concluir que, no caso de Paulo Henrique Amorim, não lhe convém.

Recordo episódio similar que me diz respeito. A minha saída de Veja em fevereiro de 1976. Vai às livrarias na segunda 31, lançado em Curitiba, um livro de memórias de Karlos Rischbieter, presidente da Caixa Econômica Federal no começo do governo do ditador de plantão Ernesto Geisel, depois transferido para a presidência do Banco do Brasil e enfim ministro da Fazenda de outro plantonista, João Batista Figueiredo. Ficou por um ano, saiu contestando as políticas que a ditadura pretendia levar adiante.

Escreve Rischbieter em um dos capítulos:

“No começo de 1975 deu entrada na Caixa um pedido de financiamento do Grupo Abril. O pedido era de um financiamento que equivalia a 50 milhões de dólares, para consolidação de várias dívidas, em grande parte em moeda estrangeira. O pedido foi analisado pelo pessoal competente, recebeu parecer positivo e foi aprovado pela diretoria. Mas faltava a aprovação do Governo. E Armando Falcão, ministro da Justiça e guardião dos “valores revolucionários” vetou o financiamento com o argumento de que a Veja, carro-chefe das publicações do grupo, e que tinha como diretor Mino Carta, era sistematicamente antigoverno. Em seu livro autobiográfico, O Castelo de Âmbar, Mino conta com detalhes o episódio que culminou com sua saída do Grupo Abril. Eu tentei, no meio da discussão, convencer o general Golbery a assumir o controle da situação e convencer o presidente a vetar o veto do ministro da Justiça. Mas foi em vão. O empréstimo só foi aprovado quando Mino Carta deixou a Veja no começo de 1976”.

In illo tempore colegas de profissão também silenciaram, com exceção do jornal do sindicato paulista. Em compensação, alguns insinuavam, quando não afirmavam, que eu prestava serviço ao chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, quem sabe em troca de vantagens financeiras. Tempos depois, em 1979, Figueiredo no poder, um célebre jornalista escreveu um texto na Folha de S.Paulo intitulado “De João a Mino, os donos do poder”. João Figueiredo, está claro. Apresentava-se ali a seguinte tese: “Lá na outra ponta do bonapartismo, em versão microscópica e virulenta, está o jornalista Mino Carta, mini-representante do mandonismo local, que apoderou-se da abertura política concebida e instrumentada pelo general Golbery do Couto e Silva, seu amigo e aparente protetor, para pontificar sobre o que é certo ou errado”.

Vinte anos depois, em 1999, outro jornalista de larga nomeada escreveu um livro para recuperar o tempo perdido e disse que eu fui demitido da Veja. Nada disso, esta é a versão do patrão. Eu me demiti, para não ter de levar as moedas da Editora Abril, e não seriam trinta dinheiros. Mas, desde a eleição de Lula em 2002, há quem sustente, periódica e inexoravelmente, que CartaCapital está a serviço do governo. Eis aí, inúmeros jornalistas nativos não conseguem imaginar um colega digno que não se porte igual a eles.

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