quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Eleições e poder de mídia - por Luis Nassif

O Jânio de Freitas traz uma questão torturante sobre a Lei Eleitoral e o ativismo político da mídia: a enorme dificuldade em definir a busca da isonomia e a neutralidade do noticiário. E reclama a ausência de um Conselho capaz de arbitrar sobre o tema.
A questão é relevante por dois motivos.
Primeiro, por não ser possível analisar a neutralidade apenas em função do maior ou menor espaço concedido aos candidatos. O ativismo da imprensa não se mede apenas no oba-oba para um lado e na crítica destemperada para o outro. Mede-se especialmente na manipulação do noticiário, das manchetes, das pesquisas de opinião.
A insistência da Folha em transformar Aécio em vice de José Serra – apesar de todos os desmentidos dele – não é uma mera barriga. A intenção é esvaziar eventuais movimentos em direção à sua candidatura.
O episódio da ficha falsa de Dilma – pela Folha – foi uma armação pensada com o óbvio propósito de marcá-la como “terrorista”, “assaltante de banco”.
O carnaval no episódio Lina Vieira não foi apenas uma “barriga” em torno de uma acusação provavelmente falsa – já que na única data do suposto encontro, vazada para os parlamentares de oposição, comprovou-se não ter havido a reunião. Durante trinta dias, serviu para o Jornal Nacional impingir em Dilma a pecha de “mentirosa”.
O segundo ponto é que, cada vez mais, fica nítido que não existe o jornalismo neutro. Quem edita jornais são empresas de comunicação com outros interesses empresariais e que freqüentemente usam a notícia como estratégia de negócios.
Trata-se de uma verdade inconteste que sempre se escondeu atrás do manto da liberdade de imprensa – que, por sua vez, é um valor relevante, apesar de estar sendo desmoralizado pela ação inconsequente dos próprios grupos de mídia brasileiros.
A sentença do juiz Carlos Henrique Abrão – no processo movido pela Abril e pelo (turquinho) Eurípedes Alcântara contra mim – é um marco que tende a se transformar em jurisprudência (clique aqui).
O juiz Abrahão defende a liberdade de imprensa, aponta sua relevância no período da democratização. Depois, enfatiza esse aspecto dos interesses comerciais das empresas jornalísticas, levando-as a instrumentalizar a notícia. Finalmente, aponta para a importância das novas mídias como fator de moderação dos abusos cometidos.
Coincidentemente, no período de maiores transformações jornalísticas da história, todos os grandes veículos passavam por uma transição que os deixou à mercê de direções de redação um tanto amadoras, permitindo essa exposição inédita de seus vícios.
A série “O Caso de Veja” expôs essa promiscuidade exasperante entre notícias e negócios. É só lembrar da campanha contra livros didáticos, que atendia diretamente os interesses comerciais da Abril. Ou a maneira como Roberto Civita armou-se de dois pistoleiros para tentar destruir a reputação de todos os que ousassem apontar os jogos perigosos que passou a montar com Daniel Dantas.
E aí se entra em novo ponto importante. Como impedir a manipulação da liberdade de imprensa sem, ao mesmo tempo, colocá-la em risco?
O caminho é um só: regulações que estimulem a competição; estímulos à organização de sistemas de informação em rede, para que todos os grupos sociais possam ser representados nesse novo tempo; aplicação de princípios de direito econômico onde se configurar práticas monopolistas ou cartelizadas.
Em seu artigo, Jânio distingue rádio e TV (como concessões públicas) dos impressos. O papel do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) é evitar práticas monopolistas nos mercados de cerveja, chocolate, alimentos, siderúrgico. Porque o mais relevante dos mercados – o de opinião – deveria ficar de fora?
Por gabs
Nassif.
Tem um artigo do Nobel Ronald Coase (The Market for Goods and the Market for Ideas) em que ele analisa a quinta emenda da constituição americana sobre o enfoque: Por que se admite a regulação do governo no mercado de bens e não no mercado de informação? Se as pessoas que atuam em ambos mercados são essencialmente as mesmas, com os mesmos interesses, não há qualquer razão que justifique uma liberdade absoluta no mercado de idéias.
Muito bom.

Da Folha
JANIO DE FREITAS

Páginas e minutos
Parece faltar um conselho para o acompanhamento da ética nas condutas dos meios de comunicação nas campanhas

AS MÁS RELAÇÕES entre militantes de candidaturas e, de outra parte, imprensa e TV começam mais cedo desta vez, incentivadas por uma das pequenas mexidas na Lei Eleitoral chamadas de “reforma”. É a que determina, já sob crítica da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que o tratamento igualitário aos candidatos seja antecipado para aplicar-se também aos pré-candidatos.
O problema resulta de equívocos que vêm desde a primeira eleição direta pós-ditadura. No caso dos jornais, desde então o espaço físico prevaleceu para as comparações de tratamento e, daí, para a motivação de queixas, no dia a dia, e de diversas acusações fortes. A aferição física, no entanto, é enganosa e insolúvel. Não há como assegurar espaço jornalístico equitativo nem mesmo para os três ou quatro candidatos principais (ou mesmo os dois de segundos turnos), quanto mais para todos.
Mas, ainda que se pudesse manter distribuição igualitária do espaço, a dimensão física não importa em comparação com a dimensão política, subjetiva, do teor dado ao espaço. E este não precisa ser explícito, pode ficar naquele terreno em que as interpretações divergentes encontram, ambas, justificativas. E lá se foi a isonomia, mesmo que haja igualdade de espaços concedidos aos concorrentes.
A neutralidade absoluta ante o processo eleitoral, cobrada pelos queixosos e os acusadores, é possível eventualmente. À parte razões humanas, porém, mesmo no jornalismo a neutralidade eleitoral não é a conduta sempre ética. Os candidatos não são iguais. Suas histórias não são iguais. Seus grupos não são iguais. Seus propósitos pressentidos não são iguais. E se algo aí macula a ética esperável de um candidato, não será ético o silêncio sobre essa mácula para preservar a neutralidade e o tratamento isonômico com outro(s) candidato(s). Além disso, uma notícia ou um comentário negativo também pode exprimir neutralidade.
Na televisão e nas rádios, sob certo aspecto o problema é mais simples: suas notícias têm a rapidez de flashs, sem dar muita margem a interpretações; sob outro aspecto, complica-se muito, com a importância tão diferenciada entre os horários e suas audiências. Então como se mede a isonomia pretendida pela lei? Comparando os minutos dados a cada candidato ou, já que um minuto em certo horário vale mais do que uma hora em outro, comparando, e de que modo, as estimadas audiências proporcionadas a cada candidato?
Se é assim em relação aos candidatos, aos já existentes e ainda possíveis pré-candidatos a exigência da lei passa da incompetência ao ridículo. A crítica da Abert tem razão de ser.
Distorções e manipulações existem em TV, e fica na história o seu papel na disputa de 1989 entre Collor e Lula, como existem na imprensa. Com uma diferença essencial na natureza dos dois sistemas: rádio e TV são concessões de um bem público para uso e proveito de particulares. Não podem, como bens de toda a população, ser usadas em prejuízo de aspirações legítimas de uma parte da nação, por interesse material ou outro do agraciado com a concessão.
O que parece faltar é um conselho, uma comissão judicial, ou algo por aí, para o acompanhamento da ética nas condutas dos meios de comunicação em campanhas eleitorais. Não para eliminar todos os problemas, mas para ponderar a procedência de queixas contra determinadas condutas, e procurar repará-las. Com o restante, o melhor é cuidado, porque talvez interfira em direitos e liberdades.

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