A turma do Ali Kamel não engole que o movimento estudantil seja de esquerda, partidário, ideológico e, supremo vício, apóie o governo Lula. Os platinados têm um tipo ideal de movimento estudantil na cabeça e não descansarão enquanto não produzi-lo. Estão se esforçando para isso. Hoje, quarta-feira, 7 de outubro, o Globo estampa na primeira página uma enorme foto com uma multidão de 12 estudantes, reunidos no playground de algum edifício da zona sul. Depois dedica a página 4 inteira ao grupo. Repare na declaração de "bom-mocismo" de um dos integrantes:
"Somos apartidários, não queremos nos envolver com nenhum tipo de jogo político."
Eu não quero julgar esses garotos. Acho extremamente positivo que a juventude se politize. Tenho certeza, aliás, que eles, desde que ingressem, de verdade, na política estudantil, irão, mais cedo ou mais tarde, aproximar-se de partidos e governos. É natural e saudável que assim aconteça. A tentativa grotesca dos ideólogos do Globo de criar um movimento estudantil que não faça política dá vontade de rir.
Pode ser interessante haver um setor não-partidário no movimento estudantil, mas muita gente esquece que os jovens deixam de ser jovens e os estudantes deixam de ser estudantes, e que precisarão aplicar a experiência política acumulada em alguma parte e, no Brasil como em qualquer outra democracia, é preciso estar inscrito num partido para participar da vida política oficial do país. A menos que não se queira fazer política de verdade, e se tornar uma espécie de diletante palpiteiro (como eu).
É preciso, sobretudo, não criminalizar partidos ou governos, porque, ao fazê-lo, critica-se o próprio modelo republicano nacional, já que essas são as únicas instâncias realmente democráticas da sociedade. Claro que há problemas no movimento estudantil, nos partidos, e nos governos, e nas relações entre as partes, mas é preciso modernizar essas relações, não pretender, ingenuamente, extingui-las.
Sim, os partidos, muitas vezes, aparelham o movimento estudantil de forma fria e negativa, mas também dão suporte para que estudantes pobres possam exercer participação política. Sem apoio partidário, nenhum estudante pobre poderia participar do movimento estudantil, ou ficaria muito mais difícil para eles. Não é por outra razão que os 12 estudantes fotografados pelo Globo são estudantes de classe média, que estudam em colégios caros da zona sul carioca.
O ridícula da história é o Globo tentar vender um movimento insignificante, localizado num pedacinho endinheirado do Rio, como algo comparável à UNE, cujos números chegam às dezenas de milhares de delegados eleitos democraticamente.
Tenho respeito por esses 12 estudantes, repito. Mas eles precisam tomar cuidado para não serem manipulados pela ideologia antipolítica (hipocritamente antipolítica, diga-se de passagem, porque a mídia nunca foi tão politizada), que criminaliza partidos, ideologias e movimentos sociais organizados.
Em sua campanha covarde para desqualificar a UNE, o Globo sempre lembra o papel da entidade na ditadura militar, sem contextualizar o momento, e, sobretudo, sem se auto-contextualizar. Na época, o movimento estudantil foi destroçado pela ditadura e pelos meios de comunicação. No dia posterior ao golpe, o Globo noticiou, sem disfarçar o êxtase, a depredação e incêndio da sede da UNE. E durante os anos de chumbo, sempre retratou os jovens que protestavam como baderneiros.
O Globo criou o mito de um movimento estudantil eternamente revoltado contra tudo e contra todos, o que não corresponde a realidade ideológica do jovem contemporâneo, cujo espírito já assimilou as transformações mundiais, como o fim do mundo socialista e a abertura econômica da China. O socialismo não morreu, mas modernizou-se e, para desespero de alguns reacionários, de direita e esquerda, amadureceu. Desde os tempos de Lênin, os verdadeiros revolucionários são aqueles que não negam a realidade, que entendem a correlação de forças e que procuram agir visando resultados concretos.
O movimento estudantil deve, sobretudo, precaver-se contra a instituição mais reacionária nesses tempos de decadência liberal: a imprensa corporativa, este odioso Leviatã midiático que vem minando a democracia em toda a América Latina, inclusive, em pleno século XXI, apoiando golpes de Estado. Deve lembrar-se que a UNE apoiou João Goulart em 1964, e também era criticada pela mídia reacionária da época, também era chamada de chapa-branca. O governador de São Paulo, José Serra, quando era presidente da UNE e ainda não se havia bandeado para o conservadorismo midiático que professa hoje, discursou ao lado de Goulart no último comício deste.
O Globo trabalha incessantemente para quebrar a espinha de movimentos sociais, partidos, sindicatos, todos que defendem os trabalhadores no país; e a estratégia de "dividir" para reinar sempre foi eficiente. O movimento estudantil precisa de sangue novo. A política brasileira precisa de sangue novo. Mas como contribuiremos para renovação da classe política brasileira se defendermos um movimento estudantil "não-partidário" e distante do "jogo político"? Como teremos um melhor Congresso, um melhor Senado, condenando a participação partidária?
Também é egoísta e medíocre a argumentação de que ao movimento estudantil só cabe pedir "reforma educacional". Por quê? O movimento estudantil deve participar das políticas de todos os setores, não apenas do setor educativo.
O irônico é acusar a UNE, com seus congressos de 20 mil delegados, com suas milhares de ramificações estaduais e municipais, de não representar os estudantes e, ao mesmo tempo, pretender que um grupo de 12 estudantes de escolas ricas da zona sul carioca tenham alguma representatividade relevante.
As forças conservadoras preferem que nossos jovens se mantenham afastados das lides partidárias porque têm plena consciência de que a maioria esmagadora da juventude professa uma ideologia de esquerda - o que seria até aceitável, desde que não fosse esse maldito esquerdismo contemporâneo, pragmático e astuto, sem medo do poder. Os conservadores querem, no fundo, deixar o terreno livre para que os sindicatos patronais ocupem o espaço político que deveria, democraticamente, pertencer ao povo. Com apoio de militares, mídia, associações empresariais, parlamentares pouco comprometidos com a democracia, e com uma juventude apartidária e despolitizada, os Michelettis do mundo poderão sempre dar seus golpes e assumir o poder.
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