Como esconder os números
Coluna Econômica - 19/08/2008
Existe um manual tácito de manipulação das estatísticas, que a ata do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada ontem, utiliza em toda sua plenitude.
Uma das jogadas mais bisonhas é a seleção do mês de comparação mais adequado à tese que se pretende defender.
Na avaliação de um indicador, pode-se compará-lo com o mês anterior ou com o mesmo mês do ano anterior. Pode-se comparar também a variação de 12 meses do último mês, em relação à variação dos 12 meses do mês anterior ou do ano anterior.
Por exemplo, a inflação estava em um patamar baixo no ano passado, aumentou no primeiro semestre – em decorrência da explosão da inflação mundial -, começou a cair, depois que foi furada a bolha de commodities. O que define a tendência é o que ocorre “na ponta” – isto é, nos últimos meses.
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O que faz a ata do Copom? Na hora de apresentar os dados de inflação, compara com o ano passado.
“A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) recuou em julho e agosto, para 0,53% e 0,28%, respectivamente, ante 0,74% em junho. Com isso, a inflação alcançou 4,48% nos primeiros oito meses de 2008 – a maior variação nesses meses desde 2004 – ante 2,80% em igual período de 2007. Em doze meses, o IPCA mostrou a primeira desaceleração desde outubro de 2007. ” .
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Ao longo de toda a Ata, tenta convencer que existe uma explosão de demanda pressionando os preços. E acena com o crescimento do NUCI (Nível de Utilização da Capacidade Instalada) da indústria como sinal de que a produção está batendo no seu limite
No entanto, a rigor, o único preço pressionado é o de serviços, setor que não depende do NUCI e não tem reflexos para a frente – como seria o caso de bens intermediários, que impactam os bens finais.
Com todos os dados apresentados fica faltando a prova do pudim. Desde que estourou a bolha das commodities, todos os índices de inflação ou têm registrado redução no ritmo ou deflação – isto é, queda de preços. Como se explica, então?
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O Copom não explica. Apenas muda o período de comparação e análise dos preços. Diz que, para determinar a política econômica, tem que se olhar para frente e não para trás – isso depois de utilizar persistentemente as comparações anuais para defender a tese da aceleração de preços: “No regime de metas para a inflação, o Copom orienta suas decisões de acordo com os valores projetados para a inflação”
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O grande risco da crise externa é apenas tangenciado.
“A percepção de risco sistêmico permanece elevada, à medida que os problemas financeiros vêm sendo agravados por uma deterioração cíclica na qualidade do crédito, o que tende a reforçar a contração das condições financeiras e, por conseguinte, o risco de intensificação da desaceleração.
O relatório constata a deterioração da balança comercial, passa ao largo das contas correntes e acaba deixando para segundo plano o problema crucial da economia brasileira.
A cada dia que passa, mais perigosa fica essa miopia do Banco Central para conduzir o país incólume nessa crise.
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Ainda sobre a vulnerabilidade externa
Coluna Econômica - 18/09/2008
Qual é o maior risco que corre o país, com a crise internacional?
Um dos grandes analistas de séries históricas, o economista Régis Bonelli identificou cinco ciclos de crescimento no Brasil, depois da Segunda Guerra. Em todos os casos, os ciclos foram iniciados com créditos externo e interno.
E abortados por restrições externas, seguidas de aceleração da inflação.
Segundo as séries históricas analisadas por Bonelli, houve redução no custo do investimento e crescimento da produtividade. Ainda faltam marcos regulatórios adequados, eficiência do governo, juros domésticos mais baixos, maior oferta de crédito e de investimento público em infra-estrutura.
Uma das conclusões de Bonelli é que a produtividade é pró-cíclica: tende a ser quanto maior o crescimento. O que é facilmente constatável, já que com maior crescimento há maior utilização da capacidade instalada e ganhos de escala.
Segundo ele, há três condicionantes do desenvolvimento, que deveriam ser atacados: mais investimento público em infra-estrutura; aumento da poupança pública interna; políticas para acelerar crescimento da produtividade.
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Aí se entra no segundo ponto: o país está seguro nas contas externas? Ontem, algumas consultorias estimavam que, no próximo ano, o déficit nas transações correntes poderá chegar a US$ 50 bilhões. O governo se escuda no nível de reservas para assegurar que está tudo sob controle.
Tudo está sob controle, desde que não se criem as condições para uma corrida contra o real, diz Yoahiaki Nakano. Segundo ele, o indicador de vulnerabilidade externas reservas cambiais/dívida de curto prazo (compromissos durante um ano) não é adequado. A relação reserva/M2 (depósito à vista, depósito de poupança e títulos privados) é mais relevante. São ativos líquidos, que podem imediatamente ser convertidos em dólar, em caso de estouro da boiada. Esse é o indicador relevante, quando ocorrem corridas contra reservas cambiais.
Em abril de 1998, o pico das reservas cambiais chegou a US$ 54 bi. A relação com M2 ficou em 35%. Hoje em dia, como M2 cresceu muito rapidamente nos últimos anos, tem-se US$ 203 bilhões em reservas, mas a relação com o M2 representa os mesmos 35%. Ou seja, existe uma massa de quase moeda líquida que pode gerar explosão na taxa de câmbio se não for bem administrada. E não se está incluindo nessa conta a soma de títulos públicos que, na prática, são líquidos.
Portanto, é ilusório achar que as reservas, por si, garantirão a solidez nas contas externas.
O que vai garantir é manter o câmbio em patamar seguro e não permitir mais sua apreciação. E correr para estancar a sangria nas contas externas.
Os demais indicadores brasileiros estão em ordem. E com o Banco Central com um pouco mais de racionalidade, reduzindo os juros, haverá plenas condições do mercado interno sustentar o crescimento nos próximos anos.
Investimento 1
O mergulho na estagnação pós-anos 80 teve como características o baixo investimento – já que houve encarecimento dos investimentos – e baixa produtividade -, diz Bonelli. Apenas no último qüinqüênio houve recuperação na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que passou de 15,3% em 2003 para 17,6% do PIB em 2007. Hoje em dia, a utilização da capacidade instalada está nos mesmos níveis dos anos 70.
Investimentos – 2
Estudo interessante foi apresentado por Fernando Puga, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Segundo ele, o custo do investimento não é mais um problema no Brasil, Atualmente está no nível 60, contra a base 100 dos Estados Unidos. No setor de Máquinas e Equipamentos, o investimento brasileiro é similar à média mundial: 7,5% contra 7,8% do mundo.
Investimentos - 3
A grande diferença está nos investimentos em habitação e outras construção. No Brasil, correspondente a 1,7% contra, por exemplo, 9% do México e 45,9% dos EUA. Os investimentos em infra-estrutura já corresponderam a 23% da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) nos anos 70. Depois, caiu para 12,3%. Agora, os investimentos estão crescendo acima do PIB. Em 2010 a taxa de investimento poderá chegar a 21% do PIB.
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O Brasil e a grande crise
Coluna Econômica - 17/08/2008
Ainda é muito cedo para avaliar com precisão as conseqüências da crise internacional sobre a economia brasileira.
Para o Ministro da Fazenda Guido Mantega, serão da seguinte ordem:
* Ligeira desaceleração na economia por causa do encarecimento do custo do capital, empréstimos externos rarefeitos e retração de IPOs (venda primária de ações);
* juros de longo prazo crescendo;
* medidas para conter a inflação na área fiscal e tributária
* saída de capitais da bolsa e da renda fixa, com desvalorização do real.
* balança comercial perdendo saldo, porém com reservadas elevadas e deixando para trás a fase de apreciação exacerbada do real.
Segundo Mantega, o governo continua apostando no cenário de crescimento, substituindo mercado externo pelo interno.
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O economista Yoshiaki Nakano é menos otimista, mas ainda assim otimista.
Em 2006, o volume de ativos financeiros era quatro vezes maior do que o PIB mundial. Com o furo da bolha, chega ao fim uma era de 20 anos de juros baixos que caracterizou a economia mundial. Chega ao fim um longo ciclo de crescimento fundado nos Estados Unidos e na expansão do crédito.
Agora, com a recessão nos Estados Unidos, Europa e Japão, o pólo de crescimento se desloca para a China e para o Leste da Ásia.
No início da crise, diz Nakano, o FED (o Banco Central americano) apenas recompôs a liquidez (isto é, a necessidade imediata de caixa pelo sistema bancário). No começo, bancos com prejuízo conseguiram recompor o capital atraindo novos investidores. Agora esse processo foi interrompido. Sem conseguir recompor o capital próprio, haverá um gigantesco processo de desalavancagem (isto é, dos bancos se desfazendo de ativos para reduzir o endividamento), provocando uma contração de crédito que baterá em todo mundo, empresas e consumidores.
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Segundo Nakano, as perdas do sistema financeiro chegam a mais de US$ 500 bi contabilizados e declarados. O FMI diz que poderão chegar a US$ 1 trilhão. Já existem avaliações de US$ 1,3 tri. Nesta semana, chegou-se a estimar em US$ 3 trilhões a perda de capital próprio das instituições financeiras. Segundo a Goldman Sachs, a contração de crédito pode ser de 8 a 10 vezes a redução do capital próprio.
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Nakano montou um quadro comparando a situação brasileira atual com a de 1999. Em quase todos os indicadores, há melhorias substanciais. Menos na vulnerabilidade externa, por conta da relação M2 (depósito à vista e ativos líquidos) sobre reservas cambiais).
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Para Júlio César Gomes de Almeida, diretor do IEDI (Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial), os dados de endividamento externo não revelam todos os compromissos do país. O passivo externo líquido é a soma da dívida externa líquida e do estoque de capital estrangeiro líquido investido no país. Se o investidor quiser tirar seu dinheiro, o impacto será o mesmo da amortização da dívida. Aliás, com uma diferença: dívidas têm prazo para quitação; desinvestimento, não.
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De qualquer forma, o tsunami da economia mundial obrigará a uma rediscussão ampla sobre os rumos da política econômica e o futuro do próprio país.
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O tsunami financeiro
Coluna Econômica - 16/09/2008
Enquanto o mundo caía, economistas reuniam-se no 5o Fórum de Economia da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, para discutir a economia brasileira.
Nas apresentações, uma certeza e uma dúvida. A certeza é que se trata da maior crise financeira em um século. A dúvida é sobre a intensidade com que o país será afetado por ela.
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Vamos entender um pouco a gênese da crise, para analisar, depois, os desdobramentos no Brasil. Desde os anos 60, as políticas econômicas sempre tiveram preocupação com o nível de liquidez da economia – isto é, de dinheiro em circulação.
Com o avanço da Internet e de novas formas de transação financeira, os conceitos convencionais tornaram-se obsoletos. Surgiu, então, uma nova maneira de tentar articular políticas monetárias: o chamado regime de metas inflacionárias.
Em vez de tentar entender as causas das crises, o sistema propunha atuar diretamente sobre os efeitos. Se a inflação (ou as expectativas de inflação) subia, havia um aumento de juros trazendo a inflação para baixo. Se a inflação não era ameaça, reduziam-se os juros.
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Com esse modelo, as políticas monetárias tornaram-se frouxas. Especialmente depois que a China inundou o mundo com produtos de baixo custo, exercendo um efeito deflacionário sobre os preços.
Foi essa situação cômoda que levou o presidente do FED, Alan Greenspan, a reduzir substancialmente os juros e a descuidar da liquidez da economia. Como resultado, havia um excesso de dinheiro em circulação sendo carreado para os chamados ativos reais. Esses recursos iam de mercado em mercado, provocando bolhas especulativas.
É nesse contexto que um dos ativos demandados passaram a ser as economias dos emergentes.
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Esse período de lambança desarmou os órgãos reguladores. Sempre que a situação permite ganhos financeiros para muitos, há uma tendência a afrouxar os controles e a considerar normais situações de claro descontrole, como a oferta absurda de crédito dos últimos anos.
Bancos, empresas, tomavam dinheiro emprestado, adquiriam ativos. Depois, com a valorização dos ativos tomavam mais dinheiro emprestado, em um círculo louco – semelhante ao que marcou a crise da economia japonesa.
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Agora, o jogo acabou. Houve a primeira etapa da crise, que foi a quebradeira do subprime. Os fundos hedge passaram a especular com commodities. Agora houve a queda nas cotações, com novos desdobramentos.
As conseqüências dramáticas desse 15 de setembro são as seguintes:
1. Um trancamento do crédito mundial, uma brutal enxugamento da liquidez.
2. O risco de queima de ativos por bancos em dificuldades, ampliando a deflação mundial, com efeitos sobre a economia real dos Estados Unidos, União Européia, Inglaterra.
3. No caso do Brasil, uma enorme dificuldade futura em financiar os déficits em transações correntes. O que obrigará o governo, em breve, a trabalhar intensamente para manter o real desvalorizado e reduzir a vulnerabilidade externa.
4. Necessidade de fortalecer o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para compensar o trancamento do crédito e do próprio mercado de capitais com a crise.
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