domingo, 21 de setembro de 2008

Fim do acesso medieval à informação - por Eduardo Guimarães

Venho escrevendo há anos que os grandes conglomerados de mídia, em todas as partes do mundo, cumprem, há muito tempo, a missão desonrosa de promover mais a desinformação do que a informação. Tal afirmação pode parecer radical e generalista, mas, se analisarmos fatos recentes da política nacional e internacional, veremos o contorcionismo que os grandes meios de comunicação têm feito para manter o público desinformado. Pincei, pois, três crises políticas a fim de exemplificar minha tese, uma nacional e duas internacionais: a crise do suposto grampo de conversa do presidente do STF, Gilmar Mendes, a da tentativa de golpe na Bolívia e a da expulsão da Venezuela de membros da ONG Human Rights Watch por ordem do presidente Hugo Chávez. Em todos esses casos, os grandes meios de comunicação trataram de omitir e distorcer fatos da maneira mais descarada que se possa imaginar, invertendo totalmente a prioridade jornalística e dando notícias que os incomodam com destaque inaceitavelmente reduzido e a reboque de simples blogs e sites políticos, infinitamente menos estruturados do que os grandes veículos de comunicação, mas que, assim mesmo, conseguiram “furá-los” com grande facilidade nesses três assuntos.



No caso da suposta gravação ilegal de conversas telefônicas entre o presidente do STF e políticos da oposição ao governo Lula, a mídia tratou de impedir que fosse difundida uma das constatações mais elementares que se pode fazer sobre o assunto, a de que, para levantar tais acusações, do ponto de vista legal seria imperativo apresentar ao menos uma única prova de que o tal “grampo” realmente existiu, e isso jamais aconteceu.



Se você contar a alguém de algum desses países nórdicos de alto estágio civilizatório que uma acusação da gravidade dessa que os inimigos políticos do governo federal fizeram contra ele – sem uma única prova material, diga-se – gerou a queda do comando do órgão de inteligência do país, certamente essa pessoa ficaria perplexa. Imaginem, nos EUA, uma reportagem derrubar o comando da CIA por conta de uma suposta gravação ilegal de uma alta autoridade, sendo que tal gravação não foi ouvida por ninguém além daqueles que denunciaram sua existência. Com tranqüilidade, porém, o presidente da República afastou a cúpula da Abin para “facilitar as investigações”, pois certamente sabia que não provariam nada. Afinal, desde o início ficou claro que tudo se tratava de um factóide que visava manter acuado o governo federal. Tratou-se, pois, de mais uma de muitas estratégias desesperadas de opositores políticos do governo Lula, deixados sem discurso por êxitos econômicos desse governo que ameaçam enterrar as perspectivas oposicionistas de recuperar o poder na sucessão presidencial de 2010.



O noticiário dos grandes meios de comunicação vem fazendo um contorcionismo circense para desinformar a opinião pública sobre o assunto, fazendo-a crer que se avolumam as provas de que o presidente do STF teria sido “grampeado” quando a verdade é a de que, até agora, não surgiu uma única evidência consistente de que isso aconteceu. Para que se possa dimensionar a gravidade da desinformação promovida por grandes jornais, revistas e redes de tevê brasileiros, a afirmação peremptória desses grandes meios de desinformação de que a Abin teria equipamento para fazer escutas telefônicas foi desmontada cabalmente, mas os que tratam de desinformar o público procuram minimizar um fato que deveria ter posto uma pá de cal no assunto.



Como no caso dos grampos, a crise na Bolívia também produziu um noticiário falso como uma nota de 3 reais. Grandes grupos de comunicação trataram de falsear a realidade de uma maneira que beira o fantástico, a ficção. Aliás, o melhor exemplo da desinformação que os grandes conglomerados de mídia vêm promovendo nessa questão não está nem no Brasil. Li uma postagem do blogueiro carioca Mello que me deixou de queixo caído. Tal postagem, a meu ver, constitui-se, talvez, numa das provas mais inquestionáveis de que o mundo está sendo ameaçado por grandes e poderosos meios de desinformação. Segundo o Mello, o jornal espanhol “El País”, cujo grupo empresarial controla vários veículos de comunicação na Bolívia, identificou para seu público uma foto das ações da milícia fascista e racista boliviana auto-intitulada União Juvenil Cruzenha como se os que aparecem na foto fossem seguidores do presidente da Bolívia, Evo Morales, e identificou, também em foto, índios apoiadores do governo boliviano como sendo opositores desse governo.



Pior do que isso foi a ocultação, pelas tevês brasileiras, de vídeo amplamente difundido na internet que mostra o massacre dos camponeses leais a Evo Morales, numa ação comprovadamente promovida pelo governador do estado boliviano de Pando, Leopoldo Fernández, contra quem há uma enormidade de provas de que mandou mesmo promover o massacre. No dia da prisão de Fernández, no entanto, os grandes meios de desinformação diziam que ele havia sido preso por desrespeitar o estado de sítio imposto pelo governo da Bolívia no “departamento” de Pando, quando, na verdade, a principal causa da prisão do governador foram as provas documentais de que ele havia ordenado o massacre de civis. Tal é a quantidade de provas contra Fernández que nem os outros governadores da “Meia Lula” boliviana colocaram sua libertação como pré-condição para negociarem com o governo Evo Morales. Se a prisão do ex-governador de Pando tivesse sido injusta, seria inconcebível que os governadores oposicionistas aceitassem negociar com quem o prendeu, pois se prendeu um deles injustamente é óbvio que todos estariam ameaçados de sofrer o mesmo.



Foi possível encontrar tal análise em qualquer grande meio de comunicação? De maneira nenhuma. Pelo contrário: tevês, grandes jornais e portais de internet tratam de tentar passar ao público a idéia de que o governo Evo Morales prendeu injustamente um oposicionista. E, apesar das evidências, esses veículos alegam (em off) que não podem “tomar partido” de nenhum dos lados, pois a situação estaria “nebulosa” na Bolívia – andei conversando com uma fonte que tenho num grande jornal e essa foi a explicação que recebi para a grande mídia brasileira estar minimizando os crimes contra a humanidade cometidos pelos fascistas da “Meia Lua” boliviana. Essa nebulosidade da situação política em certos países latino-americanos – e tal nebulosidade realmente existe nesses países devido às posições extremadas dos atores envolvidos –, porém, não impediu a mídia de tomar partido, escancaradamente, na questão da medida do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de expulsar, primeiro, o embaixador americano em seu país, e, depois, membros da ONG “Human Rights Watch”, organização financiada pelo governo americano que produziu relatório acusando o governo da Venezuela de ditatorial, em suma.



Para falar da expulsão do embaixador americano por Chávez, primeiro temos que falar da expulsão do embaixador americano por Evo Morales. Todos os grandes meios de comunicação esconderam detalhes importantíssimos do currículo do embaixador dos EUA que o governo boliviano expulsou, como o fato de que o diplomata Philip Goldberg é do “primeiro time” da diplomacia americana e com histórico de envolvimento com separatismos no Leste europeu. E também esconderam a natureza dos encontros desse diplomata com a oposição boliviana e a natureza dos encontros do seu homólogo na Venezuela com a oposição daquele país.



No dia a dia, os cidadãos mais informados, sobretudo os de regiões do país mais conservadoras como São Paulo, Rio, Santa Catarina ou Paraná, podem constatar o expressivo contingente de pessoas supostamente bem informadas que acham que Evo Morales é um ditador e que, como diz o relatório da Human Rights Watch sobre a Venezuela, naquele país vige algum tipo de censura à imprensa. Tanto uma quanto outra afirmações são totalmente descabidas. Conheço muito bem a situação política da Venezuela e a da Bolívia, pois viajo com certa freqüência a esses países e, analista político compulsivo, dedico-me, durante tais incursões que faço, a reunir o maior volume de informações possível sobre os quadros políticos locais.



A liberdade de imprensa na Venezuela é absoluta. Na verdade, a liberdade que havia para falar do governo naquele país, até algum tempo atrás, não era apenas de criticar, mas de insultar e caluniar pesadamente o presidente da República. Afirmo a vocês que, faz alguns anos, estive na Venezuela e assisti, na tevê, programa em que o presidente constitucional do país foi chamado de “pedófilo”, de “homossexual”, de “drogado” etc. Não conheço nenhuma democracia no mundo em que se possa falar assim do governante do país. Diante daquela situação absurda, portanto, o governo venezuelano conseguiu aprovar uma lei que penaliza calúnias e insultos desse jaez. Nada demais. Não foi por outro motivo, pois, que estive na Venezuela faz pouco mais de dois meses e constatei o grande volume de ataques e críticas que Hugo Chávez continua recebendo na mídia. O que acontece na Venezuela, no entanto, é que por lá o governo tem como reagir com a mídia que criou para o Estado para enfrentar a mídia privada. Sendo assim, todas as noites tevês estatais e privadas travam uma verdadeira guerra. A “Globovisión”, por exemplo, que é privada, engalfinha-se com a “Venezolana de Televisión” (VTV) diariamente. Quando estive naquele país, recentemente, a “Globovisión” estava promovendo um cerco à casa de um ministro de Estado, dando-se ao luxo de telefonar para a casa dele durante à noite e colocar a chamada telefônica no ar, em horário nobre, tecendo depois vários comentários desairosos sobre o ministro. E como se não bastasse isso, Chávez, eternamente acusado de manipular eleições apesar dos observadores internacionais que sempre referendaram todas as eleições naquele país, aceitou o resultado do último grande processo eleitoral venezuelano (um plebiscito sobre reforma constitucional) sem qualquer questionamento, apesar ter perdido, enquanto que a oposição a ele jamais aceitou a legitimidade das eleições que perdeu.



Já sobre a Bolívia, a mídia desinforma os brasileiros dizendo que a constituição que Evo Morales quer que seja referendada pelo povo foi “aprovada por constituintes governistas”, como se tal aprovação tivesse sido feita com exclusão da oposição, como se esta tivesse sido impedida de participar do processo constituinte, sendo que, na verdade, essa oposição retirou-se voluntariamente da sessão da assembléia constituinte que aprovou o novo texto constitucional.



Grandes conglomerados de mídia, aqui e em toda parte, constituem-se hoje, como ontem – e como anteontem –, em meios de desinformação, em ferramentas para se fazer prevalecer mentiras, para ocultar fatos essenciais para que o público possa tomar decisões fundamentadas em diversas áreas, sobretudo na área política. Na questão do acesso a informações corretas e amplas sobre questões cruciais, porém, a humanidade apenas começa a sair de uma era medieval, de uma era de trevas no conhecimento que durou milhares de anos, até que surgisse uma ferramenta extraordinária para a Democracia como é a internet, que, ainda que timidamente, começa a soterrar práticas medievais das aristocracias mundiais de impedirem as massas de saberem o que não queriam que soubessem. É o começo do fim da Idade Média na mídia.



Que época para se viver, que privilégio podermos participar dessa revolução humana, dessa superação histórica da escuridão do conhecimento que está acontecendo mundialmente graças à tecnologia, o que mostra que a humanidade continua achando seu caminho para, ao fim de ciclos que às vezes duram séculos e até milênios, ir solucionando seus problemas mais dramáticos.

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