Uma herança maldita
Não tardou muito. O rolo compressor do Supremo Tribunal Federal desta vez passou sobre o Superior Tribunal de Justiça ao decidir, na quarta-feira 17, que a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) também deve ser cobrada de profissionais liberais que prestam serviço por meio de empresas próprias. Essa é indiscutivelmente, para esse enorme contingente profissional, uma verdadeira herança maldita do governo FHC.
A Cofins foi criada por uma lei complementar em 1991. Em 1996, no entanto, o governo, por meio de uma lei ordinária, definiu que as sociedades civis de prestação de serviços regulamentados também teriam de pagar o tributo. Imediatamente, os primeiros recursos chegaram à Justiça. O principal argumento era o de que uma legislação ordinária não poderia revogar uma lei complementar. Em 2003, o STJ reafirmou tal entendimento e editou a súmula 276, tratando a questão como “pacificada”.
A Ordem dos Advogados do Brasil vai bater às portas do Legislativo. No mínimo para abrir brecha para o pagamento parcelado. É o que promete Cezar Britto diante da confusão armada.
“O Judiciário precisa acertar os ponteiros. Não pode um tribunal afirmar, por cinco anos, em súmula, em que se diz que a decisão é pacífica e reiterada e depois desse longo lapso de tempo, por meio da voz de outro tribunal dizer: desculpe, nós erramos, o Judiciário agora pensa diferente”, protesta o presidente da OAB.
Essa sim é uma decisão clara que abala a chamada segurança jurídica no País. Pode ter conseqüências graves. A mais óbvia é o fechamento de escritórios ou “insolvência física e jurídica de milhares de profissionais”, segundo Britto. Enfim, um caos no setor.
Ao analisar um recurso extraordinário sobre o tema, o STF definiu também que o assunto inicialmente tratado em legislação complementar pode ser modificado por lei ordinária. E para dissipar as esperanças dos recalcitrantes, os ministros do Supremo adotaram o princípio que chamam de “repercussão geral do recurso”. Ou seja, os recursos que existem em todas as instâncias do Judiciário brasileiro seguirão a decisão tomada agora.
O valor será cobrado retroativamente na base de 3% retroativos a 1996. Segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, a União deverá receber cerca de 5 bilhões de reais com a cobrança atrasada. E não se sabe ainda quanto entrará mensalmente em caixa.
Para os profissionais liberais a herança é maldita. É bendita, no entanto, para o governo Lula. Ela repõe parte da arrecadação perdida da CPMF.
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O crime mais covarde
Finalmente surgiu o que talvez seja o primeiro flagrante dos crimes cometidos pelos militares durante a ditadura.
Nas fotografias publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo, na terça-feira 16, fica comprovado um dos muitos assassinatos promovidos pelo Exército contra dois integrantes da Guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 e 1974, em Belém (PA).
Não é preciso concordar com as ações de resistência armada à ditadura fardada para ficar indignado com o que está exposto por uma das fotos que mostra os corpos de dois homens sob as vistas de soldados, um deles armado com fuzil. E não é hora de discutir a opção política tomada por aquelas duas vítimas do regime.
Mais importante do que comprovar que os dois prisioneiros estiveram em poder do Exército, a foto é um documento que registra visualmente crime covarde: os dois homens estavam imobilizados com tiras de pano. Assim, quando foram mortos, não ofereciam resistência.
Autores de crimes como esse não podem ficar protegidos sob o manto de uma anistia negociada por interesses recíprocos, de civis e militares, nos estertores da ditadura. A covardia institucional do País não pode chegar a esse ponto.
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Andante Mosso
Lula versus Dirceu
Lula faz um novo esforço para tentar quebrar a hegemonia do ex-deputado José Dirceu no comando do PT.
No ano passado, Dirceu articulou o bloqueio político ao nome de Marco Aurélio Garcia, cotado para presidir o partido.
Agora talvez Dirceu venha a testar força com o nome de Gilberto Carvalho, amigo e assessor especial do presidente da República.
Boca do lixo
Sem conseguir a licença ambiental para construir um aterro sanitário no bairro de Paciência, subúrbio do Rio, o empresário Júlio Simões parece disposto a jogar a toalha.
As pesquisas projetam a derrota de Cesar Maia e a criação de um novo eixo político no município.
Assim, corre na praça que a empresa W. Torre pode comprar os direitos do negócio.
Apoio a Evo
A política externa ainda é a melhor referência para medir a distância entre Lula e FHC. O marco recente dessa diferença foi a reunião da Unasul, no Chile, com a crise na Bolívia na pauta.
“A ação foi uma mistura de chamamento ao diálogo com um pouco de pressão”, explica o chanceler Celso Amorim.
Pressão é a tradução diplomática do recado aos inimigos da estabilidade institucional, à oposição violenta e ao separatismo.
Expressa também o abismo entre o Itamaraty de Celso Amorim e o antecessor Luiz Felipe Lampreia, no governo tucano.
Cansei! Vou ser ator
Depois de liderar o movimento “Cansei”, em São Paulo, o advogado Luiz Flávio D’Urso, presidente da OAB-SP, vai realizar um sonho de juventude: ser ator.
Participará da radionovela Justiça em Cena, na Rádio Justiça. Será o advogado trabalhista Palhares, que atende aos pedreiros Roberto e Erasmo (seus ídolos na juventude).
Roberto sofre um acidente de trabalho e pede ao colega que testemunhe. Mas o patrão dá a Erasmo uma casa em troca de silêncio.
D’Urso, no papel de Palhares, muda de lado nesse conflito de classes.
Coisas da ficção.
Bico calado
Marcelo Freixo, presidente da CPI das milícias, na Assembléia do Rio, enviou, na quarta-feira 17, convocação ao vereador Quiel do Canarinho, de Caxias, na Baixada Fluminense, para ele depor na terça-feira 23.
Quiel antecipou-se. Trancou o gabinete, dispensou os funcionários, desautorizou o presidente da Câmara a receber a convocação e escafedeu-se. Como não há crime perfeito, o documento foi recebido pelo protocolo da casa.
Se ele não aparecer, Freixo mobilizará a força policial.
Cesar olímpico
Cesar Maia reuniu dezenas de pessoas na terça-feira 16, no Jockey Club, em torno de Solange Amaral, candidata dele à prefeitura.
O prefeito carioca discursou e girou a metralhadora.
Revelou, por exemplo, uma das pontas do seu conflito com a família Marinho.
Em 2007, durante uma visita ao Projac, cidade cenográfica da Globo, os anfitriões teriam tocado em assuntos financeiros do Pan-Americano.
Maia diz que cortou assim a conversa: “Isso é com o Nuzman”.
Carlos Nuzman presidia o Comitê Organizador dos jogos. Ao público presente, Maia disse que, depois disso, passou a sofrer implacável “campanha” do sistema Globo.
Guerra do grampo
O Exército Brasileiro tem empregado o recurso de escuta telefônica ambiental nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
São as ações de Medidas Eletrônicas de Apoio (MEA), desfechadas a partir de um veículo especial capaz de captar ondas eletromagnéticas em todas as faixas de freqüência.
Os recursos técnicos estão no Centro Integrado de Guerra Eletrônica (Cige), no Setor Habitacional Taquari, no Lago Norte (DF).
O “Consenso de Beagá”
Tilden Santiago, ex-embaixador brasileiro em Cuba e primeiro petista a se aproximar politicamente do governador Aécio Neves, circula pelo interior de Minas Gerais feliz com a aliança entre PT e PSDB, em Belo Horizonte, apelidada de “Consenso de Beagá”.
Filiado agora ao PSB, Tilden encontrou o precursor dessa conciliação mineira. É o padre petista Ronaldo Lopes, prefeito da cidade de Manhumirim, Zona da Mata do estado, eleito em 2004.
Candidato à reeleição, o cura repete a dose e, com o mesmo vice tucano, adotou o slogan: “Continuar é preciso”.
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