domingo, 21 de setembro de 2008

Coisas da Política - O oculto está na superfície - por Mauro Santayana (Jornal do Brasil)

Ele não foi o mais expressivo dos intelectuais de gênio que viveram em Viena, pouco antes e logo depois da Primeira Guerra Mundial, até que Hitler surgisse. Era difícil sobressair-se em um grupo de que participavam, entre outros, Freud e Cannetti, Karl Krauss e Robert Musil. Mas entre as obras menores de Hugo von Hoffmannsthal, como libretista das operetas de Strauss, há criação poética singular, em que o lirismo é surpreendido por versos inquietantes. Um deles nos diz que o profundo se esconde na superfície.
Uma das formas de fugir à boa análise é esquecer o óbvio, e buscar no fundo o que se despreza na superfície. A atual crise econômica mundial surgida nos Estados Unidos, está exposta na superfície. Soros, homem da práxis, disse o que muitos especialistas e leigos já disseram. Ao renunciar a seus deveres de governantes, Margareth Thatcher e Ronald Reagan se entregaram ao fundamentalismo mercantil. O desastre da deregulation estava na superfície. A serviço dos beneficiários do descontrole, acadêmicos brilhantes mergulharam no fundo de teorias interessadas, a fim de esconder o que o raciocínio elementar mostrava – como na velha lenda oriental, levada ao Ocidente pela Andaluzia, que conta a estória do rei nu e do menino sem malícia. Quem se opunha ao pensamento único do neoliberalismo não era bem nascido, mas inimigo do mundo livre. Soros, homem prático, aproveitou-se das brechas do reaganismo para multiplicar sua fortuna. Agora, com alguma plaisanterie, diz aos que se opunham à nova ordem que eles tinham razão: o mercado financeiro, sem o rígido controle do Estado, leva à desordem e à catástrofe das grandes crises.
A mesma idéia de Hoffmannsthal nos serve para entender o que se passa no Brasil. O banqueiro Daniel Dantas está sendo protegido por certas circunstâncias, que procuram esconder-se, mas são facilmente identificadas na superfície dos fatos. Em razão das investigações sobre seus negócios, um pedido de habeas corpus saltou sobre instâncias judiciais, como o cavalo salta sobre outras peças no jogo de xadrez. Mas não ficou nisso. Os policiais que o investigavam passaram a ser denunciados, enquanto ele se colocava em um canto do palco, provavelmente se divertindo com a inversão dos papéis. A partir de seu caso, armou-se falsa crise entre os poderes republicanos.
Como o poder está sempre em disputa, o episódio serviu também para que dois candidatos emergentes à sucessão presidencial, o atual presidente do STF e o ministro da Defesa, procurassem, cada um a seu modo, marcar espaço no cenário. O Ministro da Defesa esforçou-se em desestabilizar a Abin e a Secretaria de Segurança Institucional da Presidência da República, provavelmente com o objetivo de colocar as duas repartições sob seu comando. O presidente do Supremo continuou sendo o mesmo jurista que serviu, com coerência pragmática, ao governo de Fernando Collor e ao de Fernando Henrique, de acordo com sua biografia conhecida. Empenha-se, a serviço de suas convicções, em combater a Polícia Federal e a Abin. Pronuncia-se sobre fatos menores, quando deveria guardar o verbo para a alta tribuna a que foi conduzido pelo reconhecimento dos serviços prestados a quem o nomeou.
A invasão do judiciário sobre as prerrogativas do Parlamento encontrou, finalmente, duas instituições dispostas a resistir. O presidente da Câmara dos Deputados se nega a cumprir prazo do TSE para destituir um deputado por infidelidade partidária, e argumenta que deve respeitar o devido processo legal, assegurando o direito constitucional de defesa ao acusado. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, entrou com ação direta de inconstitucionalidade junto ao STF, contra a resolução do Conselho Nacional de Magistratura, que estabelece critérios para a autorização, pelos juízes, de escutas telefônicas. Segundo o Procurador, o CNJ foi além de sua função constitucional, limitada a problemas administrativos, e estabeleceu, em resolução, matéria que deve ser definida em lei.
A desregulamentação reaganiana serviu para o enriquecimento rápido dos operadores no mercado financeiro, mediante a aventura com o dinheiro dos outros. O cerco à Polícia Federal e à Abin, além de servir à aspiração política de alguns, serve ao banqueiro Daniel Dantas, que se enriqueceu na administração do investimento de terceiros e com a privatização.

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